Chovia a cântaros na cidade. O relógio marcava 5 da tarde e Marcelo havia acabado de sair do trabalho. Desprevenido, com aquele toró e vestindo roupa nova, decidiu fazer serão no escrítório. Ao voltar para sua sala, Antenor, seu chefe, estranhou sua atitude e presença no local.
- Ué! Não era a sua pessoa que estava com muita pressa para ir embora?
- Sabe o que é, 'seu' Antenor, é que eu fiquei com pena do senhor.
- Pena de mim? Por quê?
- Porque o senhor iria ficar sozinho aqui, até altas horas da noite. Então decidi voltar e fazer companhia ao senhor por mais algumas horas.
- Companhia a mim? Sei... Você voltou foi por causa daquilo!
E abriu a persiana da janela do escritório, que tinha uma bela vista panorâmica da cidade.
- Está chovendo a cântaros lá fora. Foi por isso que você voltou.
- Não acredita em mim, chefe? No seu funcionário mais leal?
- Mais leal!? O Alencar já se mandou há horas. Ele é meu funcionário mais leal! E já que queres ficar e me fazer companhia, passarei algumas tarefinhas pra você. E você só sairá ao terminar as tarefas, fui claro?
- Sim, senhor!
Mas Marcelo não sabia o que o esperava. A chuva não cessava e ele estava cansado. Antenor, para provocar, "motivou-o" prontamente, dando-lhe cada vez mais tarefas.
- Chefe, tenha dó! Já acabei com o que tinha de fazer e o senhor me dá mais trabalho!?
- Vai admitir que só ficou aqui por causa da chuva?
- Não vou, pois não foi por isso!
- Então você não se importa com mais estas tarefas, certo?
De repente, a chuva cessou. A paciência de Marcelo acabou e Antenor insistia em provocá-lo.
- Responda, rapaz! Você não há de se importar, há?
- Sim, eu hei! E quer saber, enfie seus papéis no...
- Olhe o respeito comigo, rapaz! Eu ainda sou seu chefe!
- Fodam-se você e seus comparsas! Eu já tô de saco cheio disso! E quer saber, eu fiquei foi por causa da chuva mesmo! E vou embora, pois não aguento mais olhar pra tua cara hoje!
- Ótimo! Ponha-se daqui pra fora agora mesmo! Amanhã, quando estivermos mais calmos nos entenderemos melhor!
- Pra que deixar pra amanhã o que se pode resolver hoje!
- De acordo! Você está demitido! Pegue suas coisas e rua!
Foi então que Marcelo acordou do transe de raiva e se deu conta do que fez. Ficou cabisbaixo e chorou. Pegou suas coisas, saiu e, para aumentar seu desespero, o temporal voltou a desabar. Correu até um bar próximo e ocupou a única mesa coberta que havia no lugar. Eram já 8 da noite e ele queria se acalmar pois, nervoso como estava, brigaria com Isabel, sua esposa, e o dia não acabaria bem.
- Vai alguma coisa, senhor?
- Uma caipirinha com muito gelo e muito limão, por favor.
Somente uma caipirinha acalmava-o. Entre goles encontrou Miguel, um "amigo de copo". Começaram a bater um longo papo e a hora passou sem que percebessem. Quando Marcelo se deu conta, viu que eram perto das 11 da noite. Com um "probleminha": com cinco doses de caipirinha ele estava bêbado. Miguel já havia saído de mansinho (disse que iria ao banheiro e deixou o outro só) e deixou a conta para Marcelo pagar. Tinham, somadas as doses que tomaram, 30 doses de caipirinha. Ou seja, Miguel havia tomado o quíntuplo de doses que Marcelo tomou e o trouxa teve que pagar. O garçom chamou um táxi, que Marcelo dispensou. Afinal, morava perto. Mas mal sabia o que o esperava.
No caminho para casa, um trombadinha assaltou-o, levando sua carteira e seu relógio. Só não levou a roupa do corpo porque o meliante o achou feio, e "se vestido assim é medonho, imagine pelado!" Ao chegar na portaria do seu prédio, o porteiro acudiu-o. Ajudou-o a subir a escadaria da entrada e colocou-o no elevador. Ao chegar no andar onde morava, encontrou Isabel aos beijos com Miguel. Ao ver a cena, voltou a ser tomado pela raiva.
- Quê que se passa aqui! Não creio no que vejo!
- Calma, amor! Eu posso explicar!
- Celão, não é nada disso que você tá pensando!
- Não acredito! Você me larga com uma conta enorme de caipirinhas pra pagar e vem fazer minha mulher de tira-gosto! Cara de pau!
- Amor, não faça nada de que...
- Cala a boca, vadia! Você não me merece! Ninguém me ama, ninguém me quer! Vou pôr um fim nisso tudo!
- Calma, amor!
- Marcelo, calma!
E saiu em disparada para dentro de casa. Miguel saiu em velocidade, ao mesmo tempo de Marcelo, que naquela hora estava curado da bebedeira. Isabel entrou em casa para demover o marido da ideia mas era tarde demais. Marcelo não havia suportado a noite de cão que viveu e fez dela a última noite de sua vida. Mas não foi sozinho. Ao cair, atirou na direção de Miguel. Morreu e levou o outro para acertar as contas, onde quer que estejam.