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sábado, 26 de setembro de 2009

Um amor de família

- Acorda, moleque! Levanta pra vida, vagabundo!

Assim meu pai me acordava todas as manhãs. Em resposta, eu levantava resmungando.

- Tá reclamando de quê, vadio? Você não faz merda nenhuma pra ajudar em casa!

E eu ia para o banheiro, tomar um banho e sair para trabalhar. Para meu pai eu não era um trabalhador, eu era um imprestável que vivia em casa, à toa. Mas eu não ligava.

Um belo dia meu pai provocou-me de um modo digamos mais acintoso. Ele estava revoltado, pois havia perdido seu emprego no dia anterior e estava a ponto de matar minha mãe e eu.

- Seu filho da puta, levanta dessa cama que eu não suporto mais olhar para sua cara e nem da puta da sua mãe.

Naquela hora meu sangue subiu a cabeça. Virei-me em sua direção e fuzilei-lhe um olhar.

- Não me olha assim, não! Você é um desgraçado, inútil, filho da pior puta deste
mundo, que cobra muito caro por uma trepada que acabou com a minha vida!

- Pra mim já chega! Já aturei coisa demais!

- O que é que você vai fazer, seu borrabotas?

- Isso, velho desgraçado! – e desferi-lhe um soco na cara. Caímos na porrada naquele exato momento. Findada a briga e vendo que havia levado a pior (eu era carateca e me preparava para campeonatos), meu pai me expulsou de casa. Eu saí indignado, minha mãe pedindo para que não fôsse, mas ela indo atrás de mim.

Fui embora. Bati na porta de um amigo, ele me deixou ficar em sua casa. Contei minha história, ele me apoiou. Vimos uns filmes pornôs que ele tinha em casa e bebemos durante aquele dia. Meu trabalho? Esqueci.

No dia seguinte, acordei e fui trabalhar. Que merda! Não tava a fim de ir trabalhar naquele dia. A ressaca tava forte. Mas fui assim mesmo. Quando cheguei lá, uma novidade: meu chefe tinha sido transferido pra outra cidade. No lugar dele, entrou uma mulher. Cara, que mulher! Morena, um metro e oitenta, corpaço em forma... em resumo, uma deusa de ébano. Toda a firma queria trepar com ela, e comigo não era diferente. Pena que ela não dava bola pra ninguém. Isso uma semana depois do porre.

Até que um dia ela me chamou na sala dela. Mostrou uma cadeira, pediu que eu sentasse. Logo imaginei que ela queria me mandar embora, pela semana que fiquei fora da firma, pra curar aquela ressaca. Tava preocupado pra cacete. Então ela começou a falar, e falar, eu nervoso pra caramba, até que ela me perguntou por que eu tinha começado a trabalhar ali Sabia que era minha chance de segurar o trabalho, por isso fui franco.

- Vim pra cá porque meu pai não vale nada, e eu queria ganhar meu próprio dinheiro e mostrar pra ele que não precisava ficar na dependência dele. Ainda bem que não moro mais com ele. O desgraçado me botou pra fora de casa feito um cachorro, depois da gente baixar na porrada um com o outro.

- Se ele é tão ruim assim, porque você não o mata?

- O quê!? Ficou maluca!?

- Talvez. Hoje eu acordei e decidi fazer tudo que me desse vontade. Eu queria Ter matado meu pai, mas um desgraçado tomou minha frente e matou-o primeiro. Se você quiser matar o seu, faça-o antes que outro o faça. Agora pode ir. Eu tinha te chamado pra te dar sua carta de demissão, mas mudei de idéia.

- Já que não vai me dar a carta de demissão, que tal o número do seu telefone?

- Aí, você já quer demais. – E soltou uma risadinha safada, como quem convida ao outro a fazer besteiras.

Passei o resto do dia encucado com minha chefe. Ela até me deu o número! Achei ela muito louca, mas continuei a trabalhar, pensando na ideia que ela me deu. Quando acabou meu expediente, fui a uma loja de armas e comprei uma doze com uma caixa de cartuchos. Passei na casa de meu colega, deixei minhas coisas e, decidido, fui para casa de meus pais.

Quando lá cheguei, entrei em casa sem bater. Minha mãe estava dormindo na sala com uma faca no chão. Eu imaginei o pior, mas a faca estava limpa. Ela devia ter feito algum lanche noturno. Fui para a cozinha, onde naquela hora eu sabia que ele estaria lá, mas achei ele decepado no chão. Dei um berro, ‘que merda!’, e ouvi minha mãe dizerque estava tudo bem. Ela havia matado ele. E eu, assim como a louca da minha chefe, me ferrei. A desgraçada da minha mãe matou ele primeiro.

Quanto a minha chefe, demos uma bela duma trepada e estamos juntos até hoje, pra inveja dos meus colegas de firma. É como dizem: quem não chora, não mama.

domingo, 13 de setembro de 2009

Os filhos de dona Teresa

Essa é a história de dois irmãos que nunca se deram lá muito bem, apesar de virem do mesmo berço. Mas comecemos a história por dona Teresa Viana, mais conhecida por todos no bairro como dona TV. Ela chegou por lá em 1950, contam os mais antigos, acompanhada do marido Astor Chatieur, que ficaria conhecido por Chatô, um descendente de franceses com quem ela havia acabado de casar. Como o casal não era da localidade, sua chegada no bairro foi um tremendo alvoroço. Nunca alguém tão nobre punha os pés por aquelas bandas. A vizinhança se acostumava com o doutor Halbert Dionisius, mais conhecido por Dr. Rádio, na liderança do título de mais notório morador.

Os primeiros dias do casal foram de muita agitação. Logo, em 1953, nasceu o filho mais velho do casal, Ricardo. A alegria era radiante no bairro, pela criança ser o herdeiro dos novos nobres do lugar. Quando mais novo, não fedia nem cheirava, mas quando tinha 11 anos, a vida começou a mudar. Os pais trouxeram a vida mais um filho homem. Glauber nasceu em 1964, já em meio a ditadura militar imposta. Ricardo começou a ficar incomodado com as atenções voltadas ao irmão recém-nascido e, já no ano seguinte, começou a andar com companhias que seus pais reprovavam. Alguns moleques que circulavam no bairro, incomodados com a situação reinante, eram essas companhias. Gigi, Chibu, Velô, Relina, Gagá, Mumu, Betinha, entre outros mais, revoltavam a vizinhança, que em muitas das vezes só ficava aliviada quando a polícia chegava.

O tempo passava e Ricardo havia perdido o rancor que sentia por Glauber. Em 1968, com o pai já morto, Ricardo, então com 15 anos, já havia se infiltrado num grupo revolucionário, já sem a companhia dos outros, o que o fez ser preso. Glauber, com apenas 4 anos, não incomodava a mãe. Preferia passar o dia vendo a televisão e, quando saía, estava descobrindo o futebol. Enquanto o irmão estava engajado politicamente, Glauber só queria saber de bater bola.

A década de 1970 veio já com Copa do Mundo na televisão, para a alegria de Glauber e tristeza de seu irmão, que agonizava na cadeia sob torturas, mas resistia bravamente e não morria. Ricardo não queria saber de ver a Copa por causa das interferências políticas do governo na seleção de futebol. Para ele, e para muitos outros companheiros seus, ‘a seleção tinha mais é que perder aquela copa, pra acabar com a falsidade nacional’. Mas de nada adiantou, a seleção acabou levando a taça e ele continuou na prisão até o fim da década. Enquanto isso, Glauber se destacava entre os vizinhos, que se espantavam como o mesmo ventre abrigou alguém tão puro como Glauber e tão perverso como Ricardo. Mas o tempo passava.

No início da década de 1980 Glauber se mostrava um garoto prodígio. Às vesperas de completar 20 anos, já estava ligado a gente importante que era inclusive do primeiro escalão governamental. Para desespero de Ricardo, que lutava para conseguir um novo emprego do auge de seus quase 30 anos e esbarrava nas dificuldades existentes. Glauber, já no fim dessa década, estava consolidado entre seus contatos. Muitos deles haviam ficado para trás, tamanha a gana dele. Não encontrando a mesma sorte, Ricardo, desiludido, passou a frequentar uma igreja evangélica e, uma vez ordenado pastor, decidiu iniciar a própria seita. E o tempo continuava passando.

Duas personalidades tão diferentes não poderiam continuar coabitando no mesmo lugar. O sucesso de Glauber não influía mais no comportamento de Ricardo. Mas o crescimento desse começou a incomodar o daquele. Glauber nunca acreditou na conversa de que o irmão tinha capacidade para liderança, que ficava evidente quando víamos o crescimento absurdo daquela seita iniciada por Ricardo. Ricardo não ligava para essa desconfiança, mas se preocupou quando o irmão utilizou-se de sua influência para que fosse aberta uma investigação para apurar esse crescimento. Quando investigado, Ricardo acabou sendo preso sem provas de acusação. Mas não por muito tempo. Diante da falta de provas, o juiz encarregado do caso inocentou-o, e ele voltou a ficar no seu canto. Ricardo se orgulhava do crescimento da seita e Glauber estava mais forte do que nunca estivera. Suas influências agora estavam no poder e ele gozava de prestígio internacional. Mas ainda não estava satisfeito. Tinha que destruir o irmão a todo custo. No final daquela década utilizou-se mais uma vez das influências e conseguiu que o irmão fosse novamente investigado. Ricardo foi novamente inocentado e Glauber voltou a seu canto. Mas Ricardo não mais ficava calado. Havia feito algumas relações que o fortalecia, dizia que seu irmão era um infiel, por não acreditar que havia mudado e que a mãe devia estar se revirando no túmulo. O irmão é que se calara dessa vez.

Diante da calmaria que se instalou, Ricardo se arriscou no mesmo ramo de Glauber. Com o passar dos dias ele se consolidava como uma ameaça real ao império montado por Glauber. Tinha o mesmo prestígio, mesmas condições e tinha uma aliança forte. Ficaram assim até um tempo atrás, quando Glauber instigou um amigo a atacar o irmão. Aproveitando-se do ataque, que Glauber tornou mundial, Ricardo se apoiou novamente no seu discurso de fé. Sem se preocupar com a reputação do irmão, pôs às claras as relações escusas do irmão em rede nacional, como defesa.

Hoje, estão ambos numa guerra sem fim. Glauber, com 45 anos, optou pelo silêncio e não procura o irmão para uma possível reconciliação. Ricardo, com 56, continua a atacar o irmão e a se preocupar com o seu crescimento. Quem os conhece duvida quando sabe que tiveram a mesma origem e se perguntam como seria possível dois irmãos serem tão diferentes tendo praticamente a mesma origem. Quem souber que nos responda.

O dia em que o ladrão de galinhas assassinou alguém - Parte 3 de 3

Continuando...

Quando eu e Alencar íamos saindo, ele me perguntou o que o Jurubeba tinha me falado. Ora bolas, se ele prendeu o pobre coitado, deveria ter tomado o depoimento dele na hora da prisão, e saber o que ele disse. Mas não, eu tinha que mastigar e entregar o pobre coitado pra ele. Senti um clima de conspiração no ar.

- Então, Bravo, vai me dizer o que ele te disse?

- Ele não me disse nada além do que está no depoimento tomado. – nessa hora vi o Brandão gelar e ficar estático. Percebi pela sua reação que ele não tinha, como eu previa, tomado o depoimento do Jurubeba na hora da prisão. Gostei mais ainda, pois eu a-do-ra-va jogar na cara dele certos procedimentos básicos da delegacia que ele sempre esquecia de aplicar, dando uma lição de moral – Você tomou o depoimento dele, certo?

- Saia daqui agora!

Saí, mas fiquei de butuca arregalada na conversa que eles estavam tendo naquela sala. Pra ajudar, escondi uma escuta sob a mesa, o que poderia usar de prova em caso de confissão do crime. Alencar tentava puxar conversa comigo, mas eu não queria papo, e ele percebeu isso. Saiu de perto e foi olhar o movimento na entrada da delegacia.

Enquanto a conversa rolava na sala, Alencar voltava correndo pra me avisar que haviam matado o Jurubeba. Eu não acreditei, até que ouvi a voz de Brandão confessando tudo. Corri para a carceragem, perguntei ao Joca o que tinha acontecido. Ao confirmar a morte do mendigo, quis saber maiores detalhes.

- O Almeida tava trazendo ele pra cá, quando Brandão mandou ele fazer outra coisa, que ele ia levar o Jurubeba pra cela. O que aconteceu depois não posso falar não.

- Abre o bico, Joca! Caso contrário, vou te convencer a cantar tudinho!

Como ele já sabia da minha fama, decidiu concordar.

- O Brandão mandou eu ficar de bico calado, e levou o Jurubeba pra cela. Depois de dois minutos, não sei o que ele fez lá dentro, mas ele me disse que aquilo tinha que ficar por ali. Quando ele saiu daqui, corri até a cela e encontrei ele babando e com a cara roxa, sem sinal de vida. Isso é tudo o que eu sei.

- E ele disse alguma coisa além disso?

- O Brandão ou o Jurubeba?

- A biba. – todos sabiam do modo que eu tratava Brandão

- Me perguntou onde você tava.

- Tá bom. Valeu pela cooperação.

Voltei pra sala bufando, mas os desgraçados já tinham saído. Dei um berro procurando Alencar, mas como não tive resposta, fui no banheiro. Lá, encontrei Alencar agonizando.

- Chefe, eles fugiram.

- Quem fez isso com você, Alencar?

- Fo..ram e...e...e...les.

Nessa hora ele apagou. Não acreditei no que estava acontecendo. Na mesma noite um preso e um policial mortos dentro da delegacia. Na cabeça só vinha a frase dita pelo janota, ‘eu vou te fuder’, e a minha raiva só aumentava. Brandão tava metido até aquele rabo desgraçado dele na história. Pensei onde eles poderiam estar. Na casa de Brandão seria muito óbvio. O janota, não deixou endereço na delegacia. Onde eles poderiam estar. Fui até a porta e quem eu encontro por lá: o janota dando entrevista. Quando me viu, apontou na minha direção e me chamou de corrupto. Eu educadamente pedi licença aos repórteres e lembrei a ele que ainda não tinha tomado seu depoimento. Puxei-o pela gola do terno que vestia, ele tentou se esquivar, e não me segurei. Acertei um balaço na cabeça dele, diante de toda a imprensa. Aquela merda que eu fiz, me fudeu durante três anos, os da minha suspensão, mas me senti regozijado. Quem me comunicou isso no local foi doutor Mathias, o delegado, que Brandão fizera questão de chamar. O desgraçado ainda pôs na minha conta a morte do Jurubeba e do Alencar, duas pessoas a quem eu estimava na delegacia. Mas uma dia eu teria que dar o troco.

No primeiro dia após a minha saída, voltei à delegacia. A equipe tinha se renovado, doutor Mathias tinha virado deputado, os rabos presos de Brandão foram pra outra delegacia... só eu havia ficado. Eu e o Brandão, pra minha felicidade. O novo delegado, doutor Ramalho, havia reaberto alguns casos. Sabia da minha fama e contava comigo para isso. Me chamou na sala dele pra conversar.

- Pois não, em que posso ajudar?

- Vou reabrir os inquéritos da morte da grã-fina, do janota, da de Jurubeba e de Alencar, tá sabendo?

- Tô, já me falaram. Mas não entendi o porquê...

- Calma aí. Eu tô falando. Conheço você e sei do seu trabalho, e sei que você não faria uma merda dessa a toa. Eu quero saber o que aconteceu na morte do janota.

Contei a ele tudo o que havia acontecido naquele dia. A acusação injusta do Jurubeba, os crimes de Brandão e do janota, o meu acesso de fúria. Ele me perguntou se eu tinha provas do que afirmava, mas a única que eu tinha era a própria confissão de Brandão, que estava gravada na sala do delegado e eu não sabia que fim havia levado.

- Ok. Como águas passadas não movem moinhos, e você já cumpriu sua pena, não vai adiantar pra gente procurar chifre em cabeça de cavalo. Como já tô com o Brandão pela bola sete, vocês vão cobrir juntos uma incursão numa favela aqui perto. Mas não queira ser um cara valente e ficar na linha de frente.

- Pode deixar doutor...?

- Ramalho. Ezequiel Ramalho.

- ...doutor Ramalho. Chamo o Brandão?

- Não, peça pra chamar.

Saí da sala, com esperança na cabeça. O morro que a gente ia subir tava em guerra a uma semana, o que me deixou preocupado. Mas quando me lembrava da chance de ver o Brandão cair, eu ficava tranquilinho, só esperando a hora chegar.

Eu já estava na viatura quando o Brandão chegou. Ao ver minha cara, ele se assustou, e me assustou também. Aquele carinha que se embelezava todo estava chupado. Tinha contraído aids, estava perto do fim. Fomos ao morro sem trocar uma palavra, e entramos direto no tiroteio. Seguindo o conselho do delegado, joguei ele na minha frente e ele recebeu um tirambaço na cabeça. Me deu pena ver ele caído, mas não o socorri. Pensei no que teria acontecido se eu o tivesse levado pra delegacia. Pra completar, o tiroteio acabou no dia seguinte, pois tinhamos matado o chefão do morro.

Ao chegar na delegacia, o delegado me chamou em sua sala.

- Pois não?

- Fez o serviço?

- Fiz. Não sabe o arrependimento que me deu.

Não esquenta, não. Era só isso que eu queria saber. Agora vai curtir suas férias merecidas.

Já se passou muito tempo de quando ocorreu esse caso. Mas me lembrou pra sempre, pois, por causa dele, perdi dois grandes amigos dos meus tempos de policial. Ao menos ali começava uma nova amizade, apesar dos arrependimentos.

O dia am que o ladrão de galinhas assassinou alguém - Parte 2 de 3

Continuando...

E empurrei o janota com toda a minha força pra longe, que ele chegou até a cair. Quando tranquei a porta da sala, Jurubeba viu quem estava na porta e gelou. Percebi a reação dele ao ver o janota e estranhei. Pra mim, tinha caroço naquele angu.

- Conhece o dito cujo, Jurubeba?

- Na-não co-co-conheço, na-não! – sabia que ele conhecia o janota, mas não queria dizer.

- Fique aqui mais um pouco.

- U qui u sinhô vai fazê, seu Bravo?

- Nada de mais, fique tranquilo. Apenas quero chamar o janota pro nosso papo.

- Pr-pra q-q-quê, se-se-seu Br-Br-Bravo?

- Acalme-se Jurubeba. Já vou resolver esse problema.

Fui até a porta e pedi que Alencar levasse o janota pra me esperar na minha sala. Ele começou a fazer um escândalo porque queria falar com o delegado, mas ele não estava, pois eu estava no comando da delegacia. Até que não me controlei e acertei uma porrada na cara do janota que o desacordou. Levamos ele pra sala e deixamos lá, ficando o Alencar de vigia. Voltando pra sala do interrogatório, olhei firme, com uma expressão de raiva, para o pobre infeliz.

- Começa a cantar, senão vou começar a usar meus métodos nada convencionais. Quer conhecer?

- Não, não. Tudo bem, eu conto.

- Espera que vou chamar o escrivão.

- Só conto si ocê tivé aqui sozinho.

Sem alternativa, me sentei perto dele.

- Começa a cantar, passarinho.

- Desdi ondi?

- Do começo, Jurubeba, do começo.- eu já tava ficando puto da vida.

- Tudo bem. Eu tava na rua mi preparano pra invadí a casa di dona Zefinha pra roubá as galinha como sempre faço. Di repente vi dois carro passano vuado por perto de onde eu tava. U da frente tava tentano iscapá do di trais, qui tava atirano pra tudo qui é lado.

- Tinha muita gente na rua, na hora do tiroteio?

- Num tinha não. Até qui tava diserta por dimais. Continuano, dicidi pará pra vê o qui tava aconteceno. Chegano na isquina, vi o carro da frente batido e cheio di furo. Comu num tinha ninguem na hora, fui pra vê si tinha alguem firido nu carro.
Quanu cheguei lá, um cara qui nunca vi mais gordo mi apontô uma arma na cabeça e preguntô o qui eu quiria naquela hora na rua.

- E esse cara que te apontou a arma era esse janota?

- Num era não.

- Então por que a preocupação com o janota?

- Mi dá medo vê essis pessoar di terno, pur isso. Pur falá nele, quedê?

- Tá me esperando na sala do delegado. Continue.

- Eu fiquei cum medo, pidi pra ele num atirá, qui eu era um pobre coitado qui rouba galinha pra vivê, mais ele num quis nem sabê.

- E você reconheceria esse cara?

- Achu qui sim. Mais tenho medo dele.

- Mais alguma coisa pra falar?

- Tenhu. Aqueli cara qui tava na porta.

- Sim, que que tem ele.

- Ele tava junto cum u otro cara qui matô a dona.

- E por que você assumiu o crime?

- Era o jeito qui incontrei pra passá a noite aqui, na delegacia. E num pricisei roubá galinha pra vim pra cá. Além du mais, u janota mi deu uma grana pra ficar di bico calado.

- Quanto ele te deu?

- Num foi bem uma grana, mais...

- Quanto?

- Ele mi pagou deiz cruzêro e um lanche preu assumí u crime.

- Dez Cruzeiros e um lanche? Isso pode acabar com a sua vida, sabia, Jurubeba?

- Mai eu tava cum fome, num tive iscoia. Além do mais, seu Brandão tamem tava pur lá.

- Depois a gente conversa mais. Almeida, leva o Jurubeba pra uma cela solitária.

- Mai pur quê uma solitária?

- Se eu te colocar lá, junto com o Zé Miguel ,sei que de hoje você não passa.

- Munto obrigado, seu Bravo.

- Eu é que agradeço pela ajuda.

O Almeida saiu da sala com o pobre coitado. Sabia que não podia ser ele o assassino. Mas o que eu não entendia era o porquê daquele janota estar junto com o Brandão na cena do crime. Ah, como eu queria que aquele cuzão tivesse culpa no cartório!
Adoraria jogar aquele desgraçado atrás das grades. Se bem que acho que ele também não iria se opor, pois seria a mulherzinha da cela.

Fui até a sala do delegado, onde Alencar já tava puto porque eu demorei com o Jurubeba, e aquele janota tava querendo arrumar confusão. Menos mal que o Alencar havia amordaçado o sujeitinho.

- Por que você fez isso, Alencar?

- O desgraçado tava começando a me tirar do sério, decidi botar uma mordaça na boca
dele. Algum problema?

- Não, nenhum. Agora tira, pois quero bater um papinho com o nosso amigo.

Quando Alencar tirou, o janota desandou a falar, mas não demos ouvido.

- Quando acabar nos avise. Nós temos umas questões pra resolver com o senhor.

- Não sei o que querem comigo, mas isso que vocês estão fazendo é abuso de autoridade comigo, e posso processar vocês.

Ele falou as palavrinhas mágicas que não gosto nem um pouco de ouvir. Resultado: uma porrada bem na boca do estômago, seguida de um sarcasmo.

- Aquilo não era abuso. Isso sim, é que é.

- Eu vou fuder vocês, cambada.

- Mas antes quero saber de umas coisinhas.

- Vai perguntar pra pu...

Outra porrada.

- Você tem um jeitão de mulher de malandro, hein, janota! Nunca vi gostar de apanhar assim.

- Seu desgraçado, eu vou te fuder.

- Já falei, quero te perguntar umas coisinhas. Vai colaborar conosco de livre e espontânea vontade, ou quer mais presentinhos?

Nesse momento, o viadinho do Brandão apareceu na porta.

- O doutor Mathias vai gostar de saber do seu tratamento cordial com os interessados nos casos da delegacia. Muitos já me falavam da sua cordialidade, mas doutor Mathias nunca acreditava no que eu dizia.

- Porque você nunca se deu ao respeito, sua bicha.

- Baixaria pra cima de mim, não, Bravo. Calma lá, senão te fodo aqui dentro dessa porra!

- Ui, a santa tá com raivinha! – Alencar ensaiou uns risinhos, que escondeu sob o olhar feroz de Brandão – Vai fazer o que mesmo, boneca?

- Não me provoca!

- Aliás, santa, o que é que você tá fazendo aqui se já deu seu horário, hein?

- Não é da sua conta. E por falar nisso, por que o interesse nesse caso?

- Você sabe tão bem quanto eu que o Jurubeba é um tremendo dum cagão, e que ele não teria coragem de matar uma mosca sequer.

- Mas ele estava na cena do crime, com a rama do crime.

- Isso foi o que seus cupinchas lhe disseram. Ponha essa cabeça pra funcionar uma vez que seja, porra!

- Inacreditável! Um policial que acredita mais num assassino do que nas evidências! Estamos feitos!

- Alencar, faça as honras. – E Alencar deu mais uma porrada na boca do estômago. – O Jurubeba me disse algo que eu queria confirmar com o janota, mas ele não quer cooperar comigo.

- Por isso você tem que espancar o pobre coitado?

- É pela conta e risco dele. Eu peço a cooperação educadamente, mas ninguém aceita, fazer o quê! Só me resta usar a força.

- Você é um brutamontes, isso sim! Saia da sala que eu falarei com ele.

- Ao seu dispor, madame.

Continua...

O dia em que o ladrão de galinhas assassinou alguém - Parte 1 de 3

Alguns casos marcaram a minha vida de policial. Alguns são inesquecíveis, como esse caso que agora lhes conto. Era difícil haver algum grande movimento na delegacia onde eu era lotado, mas naquele dia, a delegacia estava em polvorosa. Ninguém sabia me informar o que tinha acontecido, a não ser o Brandão, que estava de plantão por lá.

- Lembra do Jurubeba?

- Aquele ladrão de galinhas que rouba só pra poder dormir aqui? Que que tem ele?

- Pois é... Ele foi acusado de assassinar uma janota por causa de dezão.

- Você tá de brincadeira comigo, só pode! O Jurubeba não tem bala na agulha pra tanto! Tampouco culhões pra isso!

- Pois é, eu sei. Mas vai dizer isso pra ele.

- Ele tá em qual cela?

- Na 32, com o Manduca, o Pé de Pano e o Zé Miguel.

- O quê? Você ficou maluco? O Jurubeba tem uma rixa antiga com os três por causa de mulher.

- Ih, é mesmo, me esqueci. Mas isso agora não é responsabilidade minha, pois a minha hora já passou há muito. Segura o pepino, querido.

- Seu estúpido! Você me paga!

- Tcha-au.

E saiu sem se preocupar com a merda que tinha feito, dando adeusinho de miss daquele jeitinho viado dele. O pior é que ele sabia dessa rixa, pois foi na primeira vez que pegamos o Jurubeba, antes dele virar um mendigo ladrão de galinhas. Mas esse caso fica pra outro dia.

Chegando na cela, vi que o Jurubeba estava acuado num canto, pronto pra ser morto por Zé Miguel, bandido mais perigoso que tinha na delegacia. Cheguei logo mostrando minha autoridade.

- Que porra é essa que tá acontecendo aqui?

- Não se mete que o assunto aqui é de bandido pra bandido. Milico tem mais é que ficar de fora.

- Num tô te perguntando porra nenhuma, Zé Miguel. E larga o Jurubeba agora, senão...

- Senão o quê? Vai me prender, seu milico de merda? Eu já tô preso, seu cuzão. Que que você...

Ele não chegou a terminar a frase porque dei uma porrada bem dada naquela cara de nordestino desgraçado. Conheci muito nordestino gente boa, mas os Zés Miguéis da vida me fizeram generalizar o meu preconceito.

- Isso é abuso de otoridade, seu milico de merda!

- Vá se fuder, seu nordestino filho-da-puta! E é autoridade, seu paraíba burro! Cala sua boca, senão tem mais! – virando-me pra Jurubeba – Você vem comigo. Quero saber dessa história que me falaram. Você, um tremendo ladrão de galinhas, cagão pra cacete, conseguiu matar alguém? Não acredito.

- Pode querditá, seu Bravo. É a mai pura vredade.

- Alencar, leva ele pra minha sala. Quero tirar essa história a limpo.

Os outros dois começaram a rir, por causa do que fiz ao Zé Miguel. Ele queria sair no tapa com os dois, mas o Alencar deu uma cacetada em cada um e mandou eles caçarem cada um seu rumo. Jurubeba foi comigo pra salinha de interrogatório.

- Senta aí, Jurubeba. E começa a cantar que porra foi essa que você fez. Ou melhor, diz que fez.

- Mai fui eu memo, dotô. O sinhô num querdita na minha palavra?

- Jurubeba, olha bem pra minha cara.

- Tô oiano.

- Cê tá vendo escrito em algum lugar na minha cara que eu, Juca Bravo Abelhudo Brasileiro, policial experiente, que te conheço faz muito tempo e sei que você só rouba galinha pra poder dormir aqui, vou acreditar na historinha que você tá me contando? Te conheço a ponto de saber que você é um bandidinho muito do fulêra.

- Mai fui eu memo, dotô. Querdita neu, num tô mintino. – de repente, vi ele me mirar com aqueles olhos grandes de interiorano (acho ridículo dizer caipira se a pessoa vem do interior) cheios de lágrimas, pronto pra chorar.

- Purquê qui u sinhô num querdita no qui eu tô falano?

- Porque eu sei que você é muito ingênuo pra cometer esse tipo de crime. Tenho muito tempo de polícia pra saber que você seria incapaz de matar alguém. Agora mesmo, na cela, quando fui te buscar, você tava acuado com medo do Zé Miguel. – eu já estava com um certo tom paternalista para com ele. Ele era um pobre coitado, que perdeu-se da família na cidade grande e tinha virado mendigo. Mais um dos muitos interioranos da época que migravam pra cidade do Rio de Janeiro, tornando-se moradores de rua ou se estabelecendo nos morros e favelas. – Beba esse copo d’água e se acalme.

Nesse momento, deixei-o na sala, com o Alencar na porta. Mas não era necessário. Dos quatro ‘habitantes’ daquela delegacia, ele era o único que eu sabia que não fugiria, mesmo que se nós facilitássemos (nossa, nunca mais consigo conjugar assim de novo!) muito para isso. Fui para a sala de provas. Encontrei o Andrei (Ih!Rimei!) e pedi-lhe o objeto do crime e as demais provas. Quando vi que era uma faca cega, com as digitais de Jurubeba, perguntei quem foi ao local do crime.

- Foram o Maciel e o Jacir. Eles que me trouxeram as provas.

- Os rabos presos da delegacia? Os bofes do Brandão?

- Isso mesmo.

- Por que não foram o Noronha e o Calisto?

- O viadinho do Brandão preferiu deixar os dois na ronda. E mandou os bofes deles pra investigar o crime.

Um calor subiu pela minha cabeça na hora, mas deixei pra lá e voltei pra sala do interrogatório. A minha surpresa é que encontrei o Alencar batendo boca na porta com um janota famoso.

- Que é que tá acontecendo aqui?

- Você é o delegado dessa merda?

- Olha lá como você fala comigo, seu janota desgraçado! Respeito é bom e eu gosto! O que é que você quer aqui? Alencar, deixa comigo.

- Você é ou não?

- Não sou, mas respondo por ele. Então, vai me dizer ou não?

- Só digo na presença do delegado.

- Ai, caralho!

- O quê?

- Nada da sua conta. Agora sai da minha frente que eu tenho um preso pra interrogar.

Continua...