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domingo, 29 de novembro de 2009

Caso de cremação

Seu Felisberto já estava com 89 anos e à beira da morte. A família já estava angustiada com o estado do velho, ”vai, não vai”, quando o moribundo começa a arfar, querendo dizer alguma coisa:

- Fale, vovô!

- Eu... eu... eu...

- Sim, vovô, fale!

- Quero... s... ser... cre... m... ma... do...

- Não fale isso, papai, o senhor vai viver muito ainda!

- Nã... nã... não...

E voltou a seu estado de quase morte. Quando o filho e a neta foram dar a notícia para os demais familiares, todos se levantaram apreensivos. Quando o filho disse que o pai pedira a cremação de seu corpo, a mãe quase caiu para trás, tamanho era seu espanto.

- Ele sempre foi muito vaidoso, por que isso agora?

- Não sabemos, mamãe. Também não entendi, mas essa é a vontade dele.

O pedido de cremação era incomum, pois Felisberto sempre se gabou do cuidado que tinha consigo mesmo. A mulher admirava-o por não fazer o tipo de machão viril, que não se cuida. Quando o conheceu, numa gafieira, ela viu aquele deus de branco que convidou-a para dançar. Quando notou que esse mesmo deus tinha um bom porte físico, cabelos bem penteados e bigode arrumado e bem aparado, acreditou ter encontrado sua alma gêmea. A convivência diária confirmava isso, com ela por vezes suspeitando da masculinidade dele tamanho era o cuidado que tinha. Por esses motivos era inconcebível imaginar a situação. Só de imaginá-la, a pobre senhora caiu em prantos, sendo amparada pelos filhos.

Os filhos eram outros que não acreditavam no pedido do pai. O cuidado com a aparência era herança deixada pelo pai. Tanto que, em demasia, um deles virou homossexual. Otávio, o mais velho, que recebeu a notícia do pai, era quem mais lembrava o pai na aparência e no cuidado. Era também o mais incrédulo dos três. Assim como a mãe custava a acreditar, ele tentava entender o porquê da situação. Miguel, o filho do meio, dava tanta importância aos ensinamentos do pai que trabalhava com estética masculina. João, o caçula homossexual, estava mais tranquilo que os outros. O que preocupou Otávio, que achava que ele tinha algo a ver com aquilo.

- Tenho tanto quanto você, Miguel ou mamãe. Por que essa caça às bruxas agora?

- Esse seu ar tranquilo deixa dúvidas. Acho que você tem algo a ver com isso.

Parecia que Otávio estava certo, mas João não dava o braço a torcer. Foi quando Miguel lembrou de uma conversa que o pai tivera com ele e João, quando eram adolescentes. Perguntando ao pai o porquê daquele cuidado todo, Miguel se lembrou que o pai disse que, “enquanto vivos, nós devemos levantar nossa autoestima ao máximo.” E quando João perguntou sobre a ocasião da morte, o pai dissera que “a beleza deveria acabar quando morremos. Uma vez mortos, já era todo o investimento que fazemos em nós.” Pelas palavras do pai, era previsível saber que ele queria ser cremado. Mas a mãe custava a acreditar naquilo, e ainda chorava mais.

Depois de alguns minutos, o médico saiu do quarto, comunicando o falecimento de Felisberto. A família inteira chorava diante do dilema causado pelo último pedido do morto, confirmado pelo médico. Em meio às lágrimas de todos, a mãe confirmou a realização da vontade dele.

No dia seguinte, no velório do corpo, Miguel e João conversavam sobre a antiga conversa do pai com eles. E se perguntavam, tentando entender o porquê do pai não deixar que brigassem fisicamente, que jogassem futebol ou qualquer outro esporte de contato físico (o que Miguel fazia escondido), ou se relacionassem com pessoas de outra cor de pele ou credo. Ouvindo a conversa, a mãe disse-lhes que o pai não gostava de tais coisas, mas que ela era contra, pois sabia que ele o fazia às escondidas. Ambos se sentiram perdoados, ainda que não pelo pai. Otávio apareceu nessa hora para avisar da cremação do corpo. O corpo bem cuidado, que se estragaria no forno.

Desse episódio, ficou a lição de que um dia todos vamos morrer. Se cuidar enquanto vivo é válido. O que não é, é viver em função disso. Com essa, arranquei algumas lágrimas na mesa do bar. Meu comparsas, para variar, afogaram as lágrimas na cerveja.
Quanto ao corpo, bem... segundo soube, as cinzas estão sobre a lareira, para lembrar a todos daquela família da lição deixada pelo pai.

Gatos por Lebres

Havia numa cidadezinha do interior do estado um padre que era querido por todos. Mas o que esse padre tinha de amoroso, ele tinha de brigão. Era um padre fora do comum. Para ele, a passagem bíblica que diz que, ao apanhar, ofereça a outra face para bater, não era seguida nem um pouco à risca. As beatas tentavam demovê-lo de que isso ia de encontro aos preceitos bíblicos, mas entrava por um ouvido e saía pelo outro. Devido essa fama, ele era uma espécie de autoridade na cidade. Com ele ninguém podia. Até que um pistoleiro muito afamado mandou seus asseclas comunicarem que estava chegando na cidade para revolucionar a vida local. O padre, que até então estava jogando conversa fora no bar, chamou-os e avisou.

- Diga a seu chefe que essa cidade já tem dono.

- O senhor padre dizendo isso? Olha que ele pode lhe dar a extrema unção antes que o senhor diga amém. – O capanga riu.

- Pois diga-lhe que venha, que aqui ele terá quem o enfrente.

Padre José (assim se chamava) voltou a conversar com o pessoal do bar, que não acreditava no que o padre acabara de fazer. Eles sabiam a serviço de quem eles estavam, e logo se preocupavam com audácia do padre. Tinham conhecimento de que esse pistoleiro era sujo, e tinha o hábito de atacar seus oponentes à noite, quando tudo estava tranquilo. Diante da situação, o padre não mudou sua opinião.

- Ele que venha. Sou homem tanto quanto ele. Não tenho motivo algum para temê-lo.

Depois do que disse, se dirigiu para a igreja, pois a hora da missa das seis se aproximava. Os peões que estavam no bar foram convidados a seguí-lo, o que prontamente foi atendido. Até porque, se não fosse, muitos estariam bebendo com dores no estômago, fruto do potente soco do padre. O interessante é que, de medo, o próprio dono do bar integrou a procissão, deixando o estabelecimento à deriva.

Dentro em pouco o padre já havia vestido a batina para a missa. Quando começaria a rezar a missa na igrejinha lotada, um mendigo apareceu na porta, de pé, com seus trapos imundos, causando repulsa nos outros que estavam acompanhando a cena.

- Cum licença, seu padre, mai eu quiria sabê si eu posso assistí a missa com vóismicês?

- Meu filho, a casa de Deus está aberta a todos. Só não temos, infelizmente, um lugar para você sentar. Mas pode se achegar, e seja bem-vindo a nossa humilde igreja.

Ao dizer aquelas palavras, a igreja ficou com um clima hostil para com o pobre mendigo, que percebeu o clima formado, até que o padre deu um berro para pedir silêncio na igreja, pois estava rezando a missa.

Acabada a missa, as portas foram repentinamente fechadas. Como toda a cidade estava dentro da igreja, assistindo à missa, todos se preocuparam com aquilo. Quando do lado de fora se ouvia que o fim da cidade estava chegando. Os homens que estavam no bar lembraram do que havia ocorrido momentos antes da missa. Nesse momento, o mendigo caminhou até o altar e entregou um bilhete ao padre. Ele leu e disse a todos na igreja que se acalmassem, pois o grande momento chegara. O pistoleiro e seus capangas estavam na porta, à sua espera, para o acerto de contas. Saiu pela porta da sacristia, enquanto de fora, o arauto do pistoleiro gritava:

- Onde está o padre que desafiou meu chefe? Será que ele deixou seus culhões no bar? – e todos do bando caíram na risada. Quando o padre apareceu na lateral da igreja, o falante empalideceu.

- Que vossa senhoria falava a meu respeito?

- Meu chefe está louco para comer as suas vísceras no jantar.

- Ele que tente. Onde está? Vá chamá-lo.

O arauto fugiu do padre como o diabo da cruz. De repente, aparece um homem de um metro e cinquenta, segurando todo o tipo de armas que sua mão podia segurar. Quando levantou o chapéu, o imenso rabo de cavalo permitiu ao padre reconhecer o temido pistoleiro.

- Isabela? Você é que é o grande pistoleiro do sertão?

- Isabela é o caralho, padre de merda. Sou o Tonhão dos Sete Palmos. Quem você pensa que é...

O pistoleiro (ou seria a pistoleira) levantou a cabeça e, para surpresa geral, havia reconhecido o padre, muito efusivamente.

- Joana! Que mudança, menina!

- Joana, não, minha cara. Mais respeito comigo. Sou o padre José.

E continuaram a conversar nesse tom de intimidade que ambos aparentavam já ter, para espanto dos cidadãos, que arrombaram a porta da igreja, e dos capangas dela, que estavam embasbacados com a situação. Ninguém naquele momento acreditava que o padre valentão foi, no passado, uma bicha, nem que o temido pistoleiro era na verdade uma mulher.

Não sei o que aconteceu depois disso, mas me lembro de que, quando contei essa história para meus comparsas de bar, eles não acreditaram. Como poderia uma bicha virar padre e uma mulher se tornar um temido pistoleiro? Diante da pergunta, só me restou dizer que, para variar, são coisas que só acontecem no Brasil.

domingo, 11 de outubro de 2009

Dois pesos, uma medida

Era uma tarde muito agradável e Estácio avisou à família que sairia para comprar cigarros. Só não contava encontrar a turma da pelada matinal por lá. Assim que Estácio entrou no bar, Lourival tratou logo de chamá-lo.

- Estácio, meu amigo! Há quanto tempo! O que está acontecendo com você, não vai mais pras peladas...

- É, realmente, muito tempo... Só que casei. Se lembra da Alzirinha?

- Alzirinha? Aquela que no colégio ficou com o Mateus, o Zé Pinguela, o Antoninho...
- ...E com o Paulo, o Mangaba e o Tadeu. A mesma. Pois é, dei em cima, cheguei
junto e pimba! Bola sete na caçapa do meio.

- Mas como é que se deu isso?

- É o seguinte: sabe aquele forró que tinha lá perto de casa? Então, descobri que ela ia pra lá? Num belo dia, eu tava só, ela também, e chamei ela pra dançar. Ela topou, joguei um papo e... aí já viu, né?

- E o que é que rolou?

- Assumimos um rolo sério, eu com ela, tudo direitinho. O tempo foi passando, fizemos nossa casinha e juntamos nossos trapos.

- Pô, beleza! Mas o que rolou que tu sumiu lá da pelada? Vai me dizer que ela...

- É isso mesmo. Ela barrou! E tem mais: se ela descobrir, eu tô frito!

- Vamos deixar isso pra lá! Puxe uma cadeira e sente aqui com a gente. Garçom, mais um copo!

Ele queria fugir mas não conseguira. Lourival e os outros, que estavam à mesa, convenceram-no a ficar. Papo vai, papovem, eis que aparece Juninho, o filho caçula de Estácio, com mais três crianças (os filhos de Lourival).Sabendo que Juninho era o mais fofoqueiro de seus três filhos. Estácio começou a tremer. Seus amigos estranharam, principalmente Lourival.

- Que que foi, Estácio? Parece que viu assombração!

- Tá vendo aqueles três garotos vindo pra cá?

- Sim, são meus filhos com o Tacinho, o colega deles.

- Pois é, Tacinho é meu filho. Aliás, o mais caguete deles.

- Que isso! Ele é um excelente garoto, show de bola!

- Mas tem a língua solta que só.

- Tá bom... Mas porque o medo?

- Lourival, ‘cê ainda não viu que o Tácio tá com medo da Alzirinha? Se o moleque é o maior caguete, é claro que ele vai bater pra mãe! – ressaltou Antoninho, até então quieto.

Estácio teimava em negar, mas estava nítido que era medo de Juninho (ou Tacinho, como queiram) descobrí-lo ali. Medo concreto, aparente, de quem é submisso da mulher. Seus amigos zombavam, pois Estácio, na época do colégio, era o mais assediado do grupo. Segundo contam, tinha até um certo charme, mas não era um Don Juan.

- Que foi que aconteceu com o galã do Assaré? Virou cachorrinho de madama, é? – zombava Zé Pinguela.

- Que nada! Alzira virou a “peã boiadeira” e laçou o touro bravo. Aproveitou pra castrar ele e fazer dele um boi. Tadinho dele! – Antoninho voltou a zombar
E o nosso herói lá, calado na dele. Até que surge um menininho por trás de Antoninho, cutucando-o.

- Paiê, a mãe perguntou cadê o refri do almoço que o senhor falou que ia levar e até agora não apareceu?

- Manda ela pro raio que o parta, Gabriel, pô! Você não tá vendo que eu tô aqui conversando com o pessoal?

- Que que eu falo pra ela então?

- E então, Antônio, que que você fala pra sua mulher? Diz pro garoto! – desafiava Estácio.

- Deixa quieto! Fala que já tô indo!

A gargalhada foi geral. Antoninho, que tanto pregara a superioridade masculina, era um “pau-mandado” de sua esposa. Retirou-se da mesa e foi ao encontro de sua mulher. Logo depois Gabriel volta com um recado de Antoninho:

- O pai pediu pra avisar que não vai dar pra ele voltar não.

- Por quê? Tua mãe tá batendo muito nele? – perguntou Lourival.

- Inda não, mas tá falando pra caramba!!

Nova gargalhada na mesa do bar. Envolto na gargalhada e na conversa, Estácio nem percebe a aproximação de Juninho, que o cutuca por trás.

- Ué, pai, o senhor não disse que ia comprar o cigarro?

- E agora, Tácio, como é que você fica? – zomba Lourival, que não percebe que Dinorá, sua esposa, que chega por trás dele e berra:

- LÔ-RI-VAL!!!! Que que tu tá fazendo aqui, traste? Tu não ia comprar o cano pra consertar o encanamento da cozinha?

- Hein?! Que que você dizia, Lourival? – zombava Estácio.

- Psiu... Cala a boca! – sussurrava Lourival.

- Então, Lourival, vai me responder ou não?

- Dinorazinha...

- Dinorazinha é o cacete! Vambora agora! – e desceu o rolo de macarrão no pobre do Lourival. Estácio só ria da situação.

- E agora que vai me chamar de cagão, de “pau-mandado” de mulher? Todos nessa mesa tem um pé atrás quando se fala de mulher.

E a mesa aquietou-se, com a conversa tomando outros rumos. Desde aquele dia, ninguém se atreveu a discutir as atitudes familiares de cada em e nem zombar do outro por isso. Era permitido discutir de tudo, de política a futebol, menos de mulheres e família.

Antes que eu me esqueça, a alegria do nosso herói durou pouquíssimo. O filho realmente dedurou-o para a mãe, que foi buscá-lo no bar e levou-o debaixo de porrada. Mas naquela hora ninguem zombou, pois aconteceu com todos que lá estavam. Alguns revidaram, e foram denunciados por agressão às sua mulheres. Hoje, eles estão em cana.

sábado, 26 de setembro de 2009

Um amor de família

- Acorda, moleque! Levanta pra vida, vagabundo!

Assim meu pai me acordava todas as manhãs. Em resposta, eu levantava resmungando.

- Tá reclamando de quê, vadio? Você não faz merda nenhuma pra ajudar em casa!

E eu ia para o banheiro, tomar um banho e sair para trabalhar. Para meu pai eu não era um trabalhador, eu era um imprestável que vivia em casa, à toa. Mas eu não ligava.

Um belo dia meu pai provocou-me de um modo digamos mais acintoso. Ele estava revoltado, pois havia perdido seu emprego no dia anterior e estava a ponto de matar minha mãe e eu.

- Seu filho da puta, levanta dessa cama que eu não suporto mais olhar para sua cara e nem da puta da sua mãe.

Naquela hora meu sangue subiu a cabeça. Virei-me em sua direção e fuzilei-lhe um olhar.

- Não me olha assim, não! Você é um desgraçado, inútil, filho da pior puta deste
mundo, que cobra muito caro por uma trepada que acabou com a minha vida!

- Pra mim já chega! Já aturei coisa demais!

- O que é que você vai fazer, seu borrabotas?

- Isso, velho desgraçado! – e desferi-lhe um soco na cara. Caímos na porrada naquele exato momento. Findada a briga e vendo que havia levado a pior (eu era carateca e me preparava para campeonatos), meu pai me expulsou de casa. Eu saí indignado, minha mãe pedindo para que não fôsse, mas ela indo atrás de mim.

Fui embora. Bati na porta de um amigo, ele me deixou ficar em sua casa. Contei minha história, ele me apoiou. Vimos uns filmes pornôs que ele tinha em casa e bebemos durante aquele dia. Meu trabalho? Esqueci.

No dia seguinte, acordei e fui trabalhar. Que merda! Não tava a fim de ir trabalhar naquele dia. A ressaca tava forte. Mas fui assim mesmo. Quando cheguei lá, uma novidade: meu chefe tinha sido transferido pra outra cidade. No lugar dele, entrou uma mulher. Cara, que mulher! Morena, um metro e oitenta, corpaço em forma... em resumo, uma deusa de ébano. Toda a firma queria trepar com ela, e comigo não era diferente. Pena que ela não dava bola pra ninguém. Isso uma semana depois do porre.

Até que um dia ela me chamou na sala dela. Mostrou uma cadeira, pediu que eu sentasse. Logo imaginei que ela queria me mandar embora, pela semana que fiquei fora da firma, pra curar aquela ressaca. Tava preocupado pra cacete. Então ela começou a falar, e falar, eu nervoso pra caramba, até que ela me perguntou por que eu tinha começado a trabalhar ali Sabia que era minha chance de segurar o trabalho, por isso fui franco.

- Vim pra cá porque meu pai não vale nada, e eu queria ganhar meu próprio dinheiro e mostrar pra ele que não precisava ficar na dependência dele. Ainda bem que não moro mais com ele. O desgraçado me botou pra fora de casa feito um cachorro, depois da gente baixar na porrada um com o outro.

- Se ele é tão ruim assim, porque você não o mata?

- O quê!? Ficou maluca!?

- Talvez. Hoje eu acordei e decidi fazer tudo que me desse vontade. Eu queria Ter matado meu pai, mas um desgraçado tomou minha frente e matou-o primeiro. Se você quiser matar o seu, faça-o antes que outro o faça. Agora pode ir. Eu tinha te chamado pra te dar sua carta de demissão, mas mudei de idéia.

- Já que não vai me dar a carta de demissão, que tal o número do seu telefone?

- Aí, você já quer demais. – E soltou uma risadinha safada, como quem convida ao outro a fazer besteiras.

Passei o resto do dia encucado com minha chefe. Ela até me deu o número! Achei ela muito louca, mas continuei a trabalhar, pensando na ideia que ela me deu. Quando acabou meu expediente, fui a uma loja de armas e comprei uma doze com uma caixa de cartuchos. Passei na casa de meu colega, deixei minhas coisas e, decidido, fui para casa de meus pais.

Quando lá cheguei, entrei em casa sem bater. Minha mãe estava dormindo na sala com uma faca no chão. Eu imaginei o pior, mas a faca estava limpa. Ela devia ter feito algum lanche noturno. Fui para a cozinha, onde naquela hora eu sabia que ele estaria lá, mas achei ele decepado no chão. Dei um berro, ‘que merda!’, e ouvi minha mãe dizerque estava tudo bem. Ela havia matado ele. E eu, assim como a louca da minha chefe, me ferrei. A desgraçada da minha mãe matou ele primeiro.

Quanto a minha chefe, demos uma bela duma trepada e estamos juntos até hoje, pra inveja dos meus colegas de firma. É como dizem: quem não chora, não mama.

domingo, 13 de setembro de 2009

Os filhos de dona Teresa

Essa é a história de dois irmãos que nunca se deram lá muito bem, apesar de virem do mesmo berço. Mas comecemos a história por dona Teresa Viana, mais conhecida por todos no bairro como dona TV. Ela chegou por lá em 1950, contam os mais antigos, acompanhada do marido Astor Chatieur, que ficaria conhecido por Chatô, um descendente de franceses com quem ela havia acabado de casar. Como o casal não era da localidade, sua chegada no bairro foi um tremendo alvoroço. Nunca alguém tão nobre punha os pés por aquelas bandas. A vizinhança se acostumava com o doutor Halbert Dionisius, mais conhecido por Dr. Rádio, na liderança do título de mais notório morador.

Os primeiros dias do casal foram de muita agitação. Logo, em 1953, nasceu o filho mais velho do casal, Ricardo. A alegria era radiante no bairro, pela criança ser o herdeiro dos novos nobres do lugar. Quando mais novo, não fedia nem cheirava, mas quando tinha 11 anos, a vida começou a mudar. Os pais trouxeram a vida mais um filho homem. Glauber nasceu em 1964, já em meio a ditadura militar imposta. Ricardo começou a ficar incomodado com as atenções voltadas ao irmão recém-nascido e, já no ano seguinte, começou a andar com companhias que seus pais reprovavam. Alguns moleques que circulavam no bairro, incomodados com a situação reinante, eram essas companhias. Gigi, Chibu, Velô, Relina, Gagá, Mumu, Betinha, entre outros mais, revoltavam a vizinhança, que em muitas das vezes só ficava aliviada quando a polícia chegava.

O tempo passava e Ricardo havia perdido o rancor que sentia por Glauber. Em 1968, com o pai já morto, Ricardo, então com 15 anos, já havia se infiltrado num grupo revolucionário, já sem a companhia dos outros, o que o fez ser preso. Glauber, com apenas 4 anos, não incomodava a mãe. Preferia passar o dia vendo a televisão e, quando saía, estava descobrindo o futebol. Enquanto o irmão estava engajado politicamente, Glauber só queria saber de bater bola.

A década de 1970 veio já com Copa do Mundo na televisão, para a alegria de Glauber e tristeza de seu irmão, que agonizava na cadeia sob torturas, mas resistia bravamente e não morria. Ricardo não queria saber de ver a Copa por causa das interferências políticas do governo na seleção de futebol. Para ele, e para muitos outros companheiros seus, ‘a seleção tinha mais é que perder aquela copa, pra acabar com a falsidade nacional’. Mas de nada adiantou, a seleção acabou levando a taça e ele continuou na prisão até o fim da década. Enquanto isso, Glauber se destacava entre os vizinhos, que se espantavam como o mesmo ventre abrigou alguém tão puro como Glauber e tão perverso como Ricardo. Mas o tempo passava.

No início da década de 1980 Glauber se mostrava um garoto prodígio. Às vesperas de completar 20 anos, já estava ligado a gente importante que era inclusive do primeiro escalão governamental. Para desespero de Ricardo, que lutava para conseguir um novo emprego do auge de seus quase 30 anos e esbarrava nas dificuldades existentes. Glauber, já no fim dessa década, estava consolidado entre seus contatos. Muitos deles haviam ficado para trás, tamanha a gana dele. Não encontrando a mesma sorte, Ricardo, desiludido, passou a frequentar uma igreja evangélica e, uma vez ordenado pastor, decidiu iniciar a própria seita. E o tempo continuava passando.

Duas personalidades tão diferentes não poderiam continuar coabitando no mesmo lugar. O sucesso de Glauber não influía mais no comportamento de Ricardo. Mas o crescimento desse começou a incomodar o daquele. Glauber nunca acreditou na conversa de que o irmão tinha capacidade para liderança, que ficava evidente quando víamos o crescimento absurdo daquela seita iniciada por Ricardo. Ricardo não ligava para essa desconfiança, mas se preocupou quando o irmão utilizou-se de sua influência para que fosse aberta uma investigação para apurar esse crescimento. Quando investigado, Ricardo acabou sendo preso sem provas de acusação. Mas não por muito tempo. Diante da falta de provas, o juiz encarregado do caso inocentou-o, e ele voltou a ficar no seu canto. Ricardo se orgulhava do crescimento da seita e Glauber estava mais forte do que nunca estivera. Suas influências agora estavam no poder e ele gozava de prestígio internacional. Mas ainda não estava satisfeito. Tinha que destruir o irmão a todo custo. No final daquela década utilizou-se mais uma vez das influências e conseguiu que o irmão fosse novamente investigado. Ricardo foi novamente inocentado e Glauber voltou a seu canto. Mas Ricardo não mais ficava calado. Havia feito algumas relações que o fortalecia, dizia que seu irmão era um infiel, por não acreditar que havia mudado e que a mãe devia estar se revirando no túmulo. O irmão é que se calara dessa vez.

Diante da calmaria que se instalou, Ricardo se arriscou no mesmo ramo de Glauber. Com o passar dos dias ele se consolidava como uma ameaça real ao império montado por Glauber. Tinha o mesmo prestígio, mesmas condições e tinha uma aliança forte. Ficaram assim até um tempo atrás, quando Glauber instigou um amigo a atacar o irmão. Aproveitando-se do ataque, que Glauber tornou mundial, Ricardo se apoiou novamente no seu discurso de fé. Sem se preocupar com a reputação do irmão, pôs às claras as relações escusas do irmão em rede nacional, como defesa.

Hoje, estão ambos numa guerra sem fim. Glauber, com 45 anos, optou pelo silêncio e não procura o irmão para uma possível reconciliação. Ricardo, com 56, continua a atacar o irmão e a se preocupar com o seu crescimento. Quem os conhece duvida quando sabe que tiveram a mesma origem e se perguntam como seria possível dois irmãos serem tão diferentes tendo praticamente a mesma origem. Quem souber que nos responda.

O dia em que o ladrão de galinhas assassinou alguém - Parte 3 de 3

Continuando...

Quando eu e Alencar íamos saindo, ele me perguntou o que o Jurubeba tinha me falado. Ora bolas, se ele prendeu o pobre coitado, deveria ter tomado o depoimento dele na hora da prisão, e saber o que ele disse. Mas não, eu tinha que mastigar e entregar o pobre coitado pra ele. Senti um clima de conspiração no ar.

- Então, Bravo, vai me dizer o que ele te disse?

- Ele não me disse nada além do que está no depoimento tomado. – nessa hora vi o Brandão gelar e ficar estático. Percebi pela sua reação que ele não tinha, como eu previa, tomado o depoimento do Jurubeba na hora da prisão. Gostei mais ainda, pois eu a-do-ra-va jogar na cara dele certos procedimentos básicos da delegacia que ele sempre esquecia de aplicar, dando uma lição de moral – Você tomou o depoimento dele, certo?

- Saia daqui agora!

Saí, mas fiquei de butuca arregalada na conversa que eles estavam tendo naquela sala. Pra ajudar, escondi uma escuta sob a mesa, o que poderia usar de prova em caso de confissão do crime. Alencar tentava puxar conversa comigo, mas eu não queria papo, e ele percebeu isso. Saiu de perto e foi olhar o movimento na entrada da delegacia.

Enquanto a conversa rolava na sala, Alencar voltava correndo pra me avisar que haviam matado o Jurubeba. Eu não acreditei, até que ouvi a voz de Brandão confessando tudo. Corri para a carceragem, perguntei ao Joca o que tinha acontecido. Ao confirmar a morte do mendigo, quis saber maiores detalhes.

- O Almeida tava trazendo ele pra cá, quando Brandão mandou ele fazer outra coisa, que ele ia levar o Jurubeba pra cela. O que aconteceu depois não posso falar não.

- Abre o bico, Joca! Caso contrário, vou te convencer a cantar tudinho!

Como ele já sabia da minha fama, decidiu concordar.

- O Brandão mandou eu ficar de bico calado, e levou o Jurubeba pra cela. Depois de dois minutos, não sei o que ele fez lá dentro, mas ele me disse que aquilo tinha que ficar por ali. Quando ele saiu daqui, corri até a cela e encontrei ele babando e com a cara roxa, sem sinal de vida. Isso é tudo o que eu sei.

- E ele disse alguma coisa além disso?

- O Brandão ou o Jurubeba?

- A biba. – todos sabiam do modo que eu tratava Brandão

- Me perguntou onde você tava.

- Tá bom. Valeu pela cooperação.

Voltei pra sala bufando, mas os desgraçados já tinham saído. Dei um berro procurando Alencar, mas como não tive resposta, fui no banheiro. Lá, encontrei Alencar agonizando.

- Chefe, eles fugiram.

- Quem fez isso com você, Alencar?

- Fo..ram e...e...e...les.

Nessa hora ele apagou. Não acreditei no que estava acontecendo. Na mesma noite um preso e um policial mortos dentro da delegacia. Na cabeça só vinha a frase dita pelo janota, ‘eu vou te fuder’, e a minha raiva só aumentava. Brandão tava metido até aquele rabo desgraçado dele na história. Pensei onde eles poderiam estar. Na casa de Brandão seria muito óbvio. O janota, não deixou endereço na delegacia. Onde eles poderiam estar. Fui até a porta e quem eu encontro por lá: o janota dando entrevista. Quando me viu, apontou na minha direção e me chamou de corrupto. Eu educadamente pedi licença aos repórteres e lembrei a ele que ainda não tinha tomado seu depoimento. Puxei-o pela gola do terno que vestia, ele tentou se esquivar, e não me segurei. Acertei um balaço na cabeça dele, diante de toda a imprensa. Aquela merda que eu fiz, me fudeu durante três anos, os da minha suspensão, mas me senti regozijado. Quem me comunicou isso no local foi doutor Mathias, o delegado, que Brandão fizera questão de chamar. O desgraçado ainda pôs na minha conta a morte do Jurubeba e do Alencar, duas pessoas a quem eu estimava na delegacia. Mas uma dia eu teria que dar o troco.

No primeiro dia após a minha saída, voltei à delegacia. A equipe tinha se renovado, doutor Mathias tinha virado deputado, os rabos presos de Brandão foram pra outra delegacia... só eu havia ficado. Eu e o Brandão, pra minha felicidade. O novo delegado, doutor Ramalho, havia reaberto alguns casos. Sabia da minha fama e contava comigo para isso. Me chamou na sala dele pra conversar.

- Pois não, em que posso ajudar?

- Vou reabrir os inquéritos da morte da grã-fina, do janota, da de Jurubeba e de Alencar, tá sabendo?

- Tô, já me falaram. Mas não entendi o porquê...

- Calma aí. Eu tô falando. Conheço você e sei do seu trabalho, e sei que você não faria uma merda dessa a toa. Eu quero saber o que aconteceu na morte do janota.

Contei a ele tudo o que havia acontecido naquele dia. A acusação injusta do Jurubeba, os crimes de Brandão e do janota, o meu acesso de fúria. Ele me perguntou se eu tinha provas do que afirmava, mas a única que eu tinha era a própria confissão de Brandão, que estava gravada na sala do delegado e eu não sabia que fim havia levado.

- Ok. Como águas passadas não movem moinhos, e você já cumpriu sua pena, não vai adiantar pra gente procurar chifre em cabeça de cavalo. Como já tô com o Brandão pela bola sete, vocês vão cobrir juntos uma incursão numa favela aqui perto. Mas não queira ser um cara valente e ficar na linha de frente.

- Pode deixar doutor...?

- Ramalho. Ezequiel Ramalho.

- ...doutor Ramalho. Chamo o Brandão?

- Não, peça pra chamar.

Saí da sala, com esperança na cabeça. O morro que a gente ia subir tava em guerra a uma semana, o que me deixou preocupado. Mas quando me lembrava da chance de ver o Brandão cair, eu ficava tranquilinho, só esperando a hora chegar.

Eu já estava na viatura quando o Brandão chegou. Ao ver minha cara, ele se assustou, e me assustou também. Aquele carinha que se embelezava todo estava chupado. Tinha contraído aids, estava perto do fim. Fomos ao morro sem trocar uma palavra, e entramos direto no tiroteio. Seguindo o conselho do delegado, joguei ele na minha frente e ele recebeu um tirambaço na cabeça. Me deu pena ver ele caído, mas não o socorri. Pensei no que teria acontecido se eu o tivesse levado pra delegacia. Pra completar, o tiroteio acabou no dia seguinte, pois tinhamos matado o chefão do morro.

Ao chegar na delegacia, o delegado me chamou em sua sala.

- Pois não?

- Fez o serviço?

- Fiz. Não sabe o arrependimento que me deu.

Não esquenta, não. Era só isso que eu queria saber. Agora vai curtir suas férias merecidas.

Já se passou muito tempo de quando ocorreu esse caso. Mas me lembrou pra sempre, pois, por causa dele, perdi dois grandes amigos dos meus tempos de policial. Ao menos ali começava uma nova amizade, apesar dos arrependimentos.

O dia am que o ladrão de galinhas assassinou alguém - Parte 2 de 3

Continuando...

E empurrei o janota com toda a minha força pra longe, que ele chegou até a cair. Quando tranquei a porta da sala, Jurubeba viu quem estava na porta e gelou. Percebi a reação dele ao ver o janota e estranhei. Pra mim, tinha caroço naquele angu.

- Conhece o dito cujo, Jurubeba?

- Na-não co-co-conheço, na-não! – sabia que ele conhecia o janota, mas não queria dizer.

- Fique aqui mais um pouco.

- U qui u sinhô vai fazê, seu Bravo?

- Nada de mais, fique tranquilo. Apenas quero chamar o janota pro nosso papo.

- Pr-pra q-q-quê, se-se-seu Br-Br-Bravo?

- Acalme-se Jurubeba. Já vou resolver esse problema.

Fui até a porta e pedi que Alencar levasse o janota pra me esperar na minha sala. Ele começou a fazer um escândalo porque queria falar com o delegado, mas ele não estava, pois eu estava no comando da delegacia. Até que não me controlei e acertei uma porrada na cara do janota que o desacordou. Levamos ele pra sala e deixamos lá, ficando o Alencar de vigia. Voltando pra sala do interrogatório, olhei firme, com uma expressão de raiva, para o pobre infeliz.

- Começa a cantar, senão vou começar a usar meus métodos nada convencionais. Quer conhecer?

- Não, não. Tudo bem, eu conto.

- Espera que vou chamar o escrivão.

- Só conto si ocê tivé aqui sozinho.

Sem alternativa, me sentei perto dele.

- Começa a cantar, passarinho.

- Desdi ondi?

- Do começo, Jurubeba, do começo.- eu já tava ficando puto da vida.

- Tudo bem. Eu tava na rua mi preparano pra invadí a casa di dona Zefinha pra roubá as galinha como sempre faço. Di repente vi dois carro passano vuado por perto de onde eu tava. U da frente tava tentano iscapá do di trais, qui tava atirano pra tudo qui é lado.

- Tinha muita gente na rua, na hora do tiroteio?

- Num tinha não. Até qui tava diserta por dimais. Continuano, dicidi pará pra vê o qui tava aconteceno. Chegano na isquina, vi o carro da frente batido e cheio di furo. Comu num tinha ninguem na hora, fui pra vê si tinha alguem firido nu carro.
Quanu cheguei lá, um cara qui nunca vi mais gordo mi apontô uma arma na cabeça e preguntô o qui eu quiria naquela hora na rua.

- E esse cara que te apontou a arma era esse janota?

- Num era não.

- Então por que a preocupação com o janota?

- Mi dá medo vê essis pessoar di terno, pur isso. Pur falá nele, quedê?

- Tá me esperando na sala do delegado. Continue.

- Eu fiquei cum medo, pidi pra ele num atirá, qui eu era um pobre coitado qui rouba galinha pra vivê, mais ele num quis nem sabê.

- E você reconheceria esse cara?

- Achu qui sim. Mais tenho medo dele.

- Mais alguma coisa pra falar?

- Tenhu. Aqueli cara qui tava na porta.

- Sim, que que tem ele.

- Ele tava junto cum u otro cara qui matô a dona.

- E por que você assumiu o crime?

- Era o jeito qui incontrei pra passá a noite aqui, na delegacia. E num pricisei roubá galinha pra vim pra cá. Além du mais, u janota mi deu uma grana pra ficar di bico calado.

- Quanto ele te deu?

- Num foi bem uma grana, mais...

- Quanto?

- Ele mi pagou deiz cruzêro e um lanche preu assumí u crime.

- Dez Cruzeiros e um lanche? Isso pode acabar com a sua vida, sabia, Jurubeba?

- Mai eu tava cum fome, num tive iscoia. Além do mais, seu Brandão tamem tava pur lá.

- Depois a gente conversa mais. Almeida, leva o Jurubeba pra uma cela solitária.

- Mai pur quê uma solitária?

- Se eu te colocar lá, junto com o Zé Miguel ,sei que de hoje você não passa.

- Munto obrigado, seu Bravo.

- Eu é que agradeço pela ajuda.

O Almeida saiu da sala com o pobre coitado. Sabia que não podia ser ele o assassino. Mas o que eu não entendia era o porquê daquele janota estar junto com o Brandão na cena do crime. Ah, como eu queria que aquele cuzão tivesse culpa no cartório!
Adoraria jogar aquele desgraçado atrás das grades. Se bem que acho que ele também não iria se opor, pois seria a mulherzinha da cela.

Fui até a sala do delegado, onde Alencar já tava puto porque eu demorei com o Jurubeba, e aquele janota tava querendo arrumar confusão. Menos mal que o Alencar havia amordaçado o sujeitinho.

- Por que você fez isso, Alencar?

- O desgraçado tava começando a me tirar do sério, decidi botar uma mordaça na boca
dele. Algum problema?

- Não, nenhum. Agora tira, pois quero bater um papinho com o nosso amigo.

Quando Alencar tirou, o janota desandou a falar, mas não demos ouvido.

- Quando acabar nos avise. Nós temos umas questões pra resolver com o senhor.

- Não sei o que querem comigo, mas isso que vocês estão fazendo é abuso de autoridade comigo, e posso processar vocês.

Ele falou as palavrinhas mágicas que não gosto nem um pouco de ouvir. Resultado: uma porrada bem na boca do estômago, seguida de um sarcasmo.

- Aquilo não era abuso. Isso sim, é que é.

- Eu vou fuder vocês, cambada.

- Mas antes quero saber de umas coisinhas.

- Vai perguntar pra pu...

Outra porrada.

- Você tem um jeitão de mulher de malandro, hein, janota! Nunca vi gostar de apanhar assim.

- Seu desgraçado, eu vou te fuder.

- Já falei, quero te perguntar umas coisinhas. Vai colaborar conosco de livre e espontânea vontade, ou quer mais presentinhos?

Nesse momento, o viadinho do Brandão apareceu na porta.

- O doutor Mathias vai gostar de saber do seu tratamento cordial com os interessados nos casos da delegacia. Muitos já me falavam da sua cordialidade, mas doutor Mathias nunca acreditava no que eu dizia.

- Porque você nunca se deu ao respeito, sua bicha.

- Baixaria pra cima de mim, não, Bravo. Calma lá, senão te fodo aqui dentro dessa porra!

- Ui, a santa tá com raivinha! – Alencar ensaiou uns risinhos, que escondeu sob o olhar feroz de Brandão – Vai fazer o que mesmo, boneca?

- Não me provoca!

- Aliás, santa, o que é que você tá fazendo aqui se já deu seu horário, hein?

- Não é da sua conta. E por falar nisso, por que o interesse nesse caso?

- Você sabe tão bem quanto eu que o Jurubeba é um tremendo dum cagão, e que ele não teria coragem de matar uma mosca sequer.

- Mas ele estava na cena do crime, com a rama do crime.

- Isso foi o que seus cupinchas lhe disseram. Ponha essa cabeça pra funcionar uma vez que seja, porra!

- Inacreditável! Um policial que acredita mais num assassino do que nas evidências! Estamos feitos!

- Alencar, faça as honras. – E Alencar deu mais uma porrada na boca do estômago. – O Jurubeba me disse algo que eu queria confirmar com o janota, mas ele não quer cooperar comigo.

- Por isso você tem que espancar o pobre coitado?

- É pela conta e risco dele. Eu peço a cooperação educadamente, mas ninguém aceita, fazer o quê! Só me resta usar a força.

- Você é um brutamontes, isso sim! Saia da sala que eu falarei com ele.

- Ao seu dispor, madame.

Continua...

O dia em que o ladrão de galinhas assassinou alguém - Parte 1 de 3

Alguns casos marcaram a minha vida de policial. Alguns são inesquecíveis, como esse caso que agora lhes conto. Era difícil haver algum grande movimento na delegacia onde eu era lotado, mas naquele dia, a delegacia estava em polvorosa. Ninguém sabia me informar o que tinha acontecido, a não ser o Brandão, que estava de plantão por lá.

- Lembra do Jurubeba?

- Aquele ladrão de galinhas que rouba só pra poder dormir aqui? Que que tem ele?

- Pois é... Ele foi acusado de assassinar uma janota por causa de dezão.

- Você tá de brincadeira comigo, só pode! O Jurubeba não tem bala na agulha pra tanto! Tampouco culhões pra isso!

- Pois é, eu sei. Mas vai dizer isso pra ele.

- Ele tá em qual cela?

- Na 32, com o Manduca, o Pé de Pano e o Zé Miguel.

- O quê? Você ficou maluco? O Jurubeba tem uma rixa antiga com os três por causa de mulher.

- Ih, é mesmo, me esqueci. Mas isso agora não é responsabilidade minha, pois a minha hora já passou há muito. Segura o pepino, querido.

- Seu estúpido! Você me paga!

- Tcha-au.

E saiu sem se preocupar com a merda que tinha feito, dando adeusinho de miss daquele jeitinho viado dele. O pior é que ele sabia dessa rixa, pois foi na primeira vez que pegamos o Jurubeba, antes dele virar um mendigo ladrão de galinhas. Mas esse caso fica pra outro dia.

Chegando na cela, vi que o Jurubeba estava acuado num canto, pronto pra ser morto por Zé Miguel, bandido mais perigoso que tinha na delegacia. Cheguei logo mostrando minha autoridade.

- Que porra é essa que tá acontecendo aqui?

- Não se mete que o assunto aqui é de bandido pra bandido. Milico tem mais é que ficar de fora.

- Num tô te perguntando porra nenhuma, Zé Miguel. E larga o Jurubeba agora, senão...

- Senão o quê? Vai me prender, seu milico de merda? Eu já tô preso, seu cuzão. Que que você...

Ele não chegou a terminar a frase porque dei uma porrada bem dada naquela cara de nordestino desgraçado. Conheci muito nordestino gente boa, mas os Zés Miguéis da vida me fizeram generalizar o meu preconceito.

- Isso é abuso de otoridade, seu milico de merda!

- Vá se fuder, seu nordestino filho-da-puta! E é autoridade, seu paraíba burro! Cala sua boca, senão tem mais! – virando-me pra Jurubeba – Você vem comigo. Quero saber dessa história que me falaram. Você, um tremendo ladrão de galinhas, cagão pra cacete, conseguiu matar alguém? Não acredito.

- Pode querditá, seu Bravo. É a mai pura vredade.

- Alencar, leva ele pra minha sala. Quero tirar essa história a limpo.

Os outros dois começaram a rir, por causa do que fiz ao Zé Miguel. Ele queria sair no tapa com os dois, mas o Alencar deu uma cacetada em cada um e mandou eles caçarem cada um seu rumo. Jurubeba foi comigo pra salinha de interrogatório.

- Senta aí, Jurubeba. E começa a cantar que porra foi essa que você fez. Ou melhor, diz que fez.

- Mai fui eu memo, dotô. O sinhô num querdita na minha palavra?

- Jurubeba, olha bem pra minha cara.

- Tô oiano.

- Cê tá vendo escrito em algum lugar na minha cara que eu, Juca Bravo Abelhudo Brasileiro, policial experiente, que te conheço faz muito tempo e sei que você só rouba galinha pra poder dormir aqui, vou acreditar na historinha que você tá me contando? Te conheço a ponto de saber que você é um bandidinho muito do fulêra.

- Mai fui eu memo, dotô. Querdita neu, num tô mintino. – de repente, vi ele me mirar com aqueles olhos grandes de interiorano (acho ridículo dizer caipira se a pessoa vem do interior) cheios de lágrimas, pronto pra chorar.

- Purquê qui u sinhô num querdita no qui eu tô falano?

- Porque eu sei que você é muito ingênuo pra cometer esse tipo de crime. Tenho muito tempo de polícia pra saber que você seria incapaz de matar alguém. Agora mesmo, na cela, quando fui te buscar, você tava acuado com medo do Zé Miguel. – eu já estava com um certo tom paternalista para com ele. Ele era um pobre coitado, que perdeu-se da família na cidade grande e tinha virado mendigo. Mais um dos muitos interioranos da época que migravam pra cidade do Rio de Janeiro, tornando-se moradores de rua ou se estabelecendo nos morros e favelas. – Beba esse copo d’água e se acalme.

Nesse momento, deixei-o na sala, com o Alencar na porta. Mas não era necessário. Dos quatro ‘habitantes’ daquela delegacia, ele era o único que eu sabia que não fugiria, mesmo que se nós facilitássemos (nossa, nunca mais consigo conjugar assim de novo!) muito para isso. Fui para a sala de provas. Encontrei o Andrei (Ih!Rimei!) e pedi-lhe o objeto do crime e as demais provas. Quando vi que era uma faca cega, com as digitais de Jurubeba, perguntei quem foi ao local do crime.

- Foram o Maciel e o Jacir. Eles que me trouxeram as provas.

- Os rabos presos da delegacia? Os bofes do Brandão?

- Isso mesmo.

- Por que não foram o Noronha e o Calisto?

- O viadinho do Brandão preferiu deixar os dois na ronda. E mandou os bofes deles pra investigar o crime.

Um calor subiu pela minha cabeça na hora, mas deixei pra lá e voltei pra sala do interrogatório. A minha surpresa é que encontrei o Alencar batendo boca na porta com um janota famoso.

- Que é que tá acontecendo aqui?

- Você é o delegado dessa merda?

- Olha lá como você fala comigo, seu janota desgraçado! Respeito é bom e eu gosto! O que é que você quer aqui? Alencar, deixa comigo.

- Você é ou não?

- Não sou, mas respondo por ele. Então, vai me dizer ou não?

- Só digo na presença do delegado.

- Ai, caralho!

- O quê?

- Nada da sua conta. Agora sai da minha frente que eu tenho um preso pra interrogar.

Continua...

domingo, 16 de agosto de 2009

O Testamento - Parte II

(Continuando...)

- Não é melhor ler a carta primeiro? Assim o senhor saberá o que tem nela que ele não te falou.

- Ele já havia me alertado disso, Alma.

- Disso o quê, doutor?

- De que você ficaria com vergonha, louca para ir para casa, sem interferir no andamento do processo. Por isso, tenho de falar algumas coisas. Umas não são de se espantar. Outras...

- Outras o quê, tio Almeida?

- Você já saberá. Antes vamos dar uma pausa, para ordenarmos os pensamentos.

Ele saiu para o banheiro, onde respirou fundo, como quem não se sentia preparado para o que tinha de fazer. Depois de 2 minutos, ele voltou, sentou sobre a mesa e respirou fundo antes de falar.

- O que tenho a lhes dizer é difícil.

- Então diga logo. Já perdemos muito tempo aqui, doutor Almeida.

- Pois bem. Nas minhas longas conversas com Albino, ele desabafava comigo, principalmente nos últimos dias, da vida que ele estava levando. Na empresa, as coisas não iam bem, as ações não rendiam, a mulher gastava muito... Os únicos confortos que sentia eram as consultas que tinham comigo, as visitas que fazia à menina Alma e as horas em que estava com a família, principalmente com as trigêmeas. Dizia que adorava vê-las nas competições esportivas, saber que elas haviam tirado boas notas... e lamentava não ter tido condições de proporcionar o mesmo para a menina Alma.

- Mas ele nunca deixou faltar nada para mim.

- Eu sei, menina Alma. Ele pedia que eu o fizesse, para não levantar suspeitas. De
desconfianças já bastava a vontade de Alberto de que ele fizesse um testamento. Ele se perguntava onde tinha errado com Alberto, que a cada dia mais queria que ele deixasse a empresa para que o filho a assumisse.

- Mas não era verdade. Eu nunca pensei nisso.

- Conta outra, Alberto! Você não fazia outra coisa a não ser querer o papai fora de lá.

- Para que ele descansasse! Ele já havia feito muito e...

- Posso seguir?

- Pode, doutor Almeida.

- Obrigado, Bininho.

- Albino, por favor. Albino. Somente papai me chamava assim.

- E você sempre detestou. Principalmente quando ele o fazia dentro da empresa. Você não tinha o mesmo interesse aberto de seu irmão, mas não gostava do afeto que seu pai lhe dava na empresa. Mas ele não te execrava, como o vi fazer muitas vezes sobre seu irmão.

Nesse momento Alberto abaixou a cabeça, tentando esconder as lágrimas que caíam de seu rosto. Começava a se arrepender do modo com o qual agira com o pai vivo.

- Ele sempre acreditou em Alberto, mesmo quando sentia esse menosprezo afetivo dele. Se preocupava em brincar com ele na empresa, pois se quando brincava com Albino o mesmo não gostava, que diria se brincasse com Alberto.

- Pare com isso! – pediu Alberto, cheio de lágrimas.

- Acho que Alberto e Albino já ouviram o que tinham de ouvir. Agora, vamos Matilde.

- Ele falou mal de mim?

- Não. Apenas reclamava do seu excesso financeiro. Reclamava de seus gastos desnecessários, de suas compras supérfluas... Mas ressaltava o carinho dado, e pedia desculpas por esconder a filha bastarda. Mas pediu que, independente da distribuição testamentária, se aproxime dela, e as meninas também, pois vocês tem muito em comum.

- Falava algo das trigêmeas?

- Nada além do que eu já disse.

- E da filha extra?

- Ele me pediu para contar o que aconteceu, como ela surgiu. Quando Albino e Alberto já estavam nascidos, com 5 e 3 anos, ele estavam começando a desanimar do casamento.

- Por causa da filha mulher que ele queria?

- Sim. Decidiu aproveitar uma reunião com uma empresa estrangeira, onde nada deu certo. E na época ele tinha com secretária na empresa em que trabalhava, antes de construir a própria, com quem ele tinha um caso. Ela foi consolá-lo, ele gostou, começaram a se amar na empresa...

- E daí eu vim à luz?

- Isso foi o começo, segundo ele me disse. Passadas duas semanas, ele viu que a secretária não foi trabalhar, com seguidos enjôos. No dia seguinte a esses, ele foi pedir as contas do emprego. Já estava grávida, mas não queria contar a Albino. Ele só foi saber da filha depois que ela, a mulher, estava para parir. Quando nasceu, ele prestou toda a ajuda necessária à menina e à mãe. Desde então, ele sempre procurava estar presente na vida de Alma.

- Quando é seu aniversário, Alma?

- 24 de março.

- Como suspeitava. Foi nesse dia que ele deixou de ser ranzinza como era, mas eu tentava saber e não sabia o porquê dele estar tão feliz desde então.

- Como assim?

- Foi nessa época que eu engravidei das meninas. Ele havia me falado de como seria bom ter uma menina na nossa vida. E vieram logo três. Algo mais a dizer, Almeida?

- Não, nada mais. Agora, vamos à carta.

Alma passou a carta, que Almeida leu com atenção, silenciosamente, enquanto Matilde, Alma e as trigêmeas conversavam pacificamente, sob olhares desconfiados dos filhos homens. Quando acabou de ler, Almeida pediu a palavra.

- Realmente, a maior parte do que eu disse está aqui na carta.

- Eu não entendo. E quanto à divisão dos bens? Como ficamos?

- Para seu alívio, Albino, esta é uma parte que me espantou ao saber do resultado. Mas, antes dela, tem outra muito interessante Diz ele, para Alma: “Sei que você se dará bem no meio familiar que tanto me agradou em vida. Como você também muito me agradou em vida, eu a recomendo a este seio.” Para Matilde e as meninas: “Vocês sempre me amaram do jeito que fui. Quero que, a partir desse momento, aceitem Alma de bom grado em nosso seio. Sei que fará muito bem tanto a ela quanto a vocês. Afinal, você têm muito papo para botar em dia.”

- Esse blábláblá está bonito e comovente, mas... quanto à divisão?

- Vamos chegar nela agora: “Tendo feitas estas recomendações, distribuo meus bens da seguinte forma: para Albino, deixo minhas ações financeiras e, para Alberto, deixo o controle de minhas empresas. Eles a merecem. O meio financeiro é muito sujo de se lidar. Deixo-lhes pois sei que trarão resultados. Afinal, já estão sujos por esse meio há algum tempo.”

Nesse momento Alberto dá um grito de felicidade, sendo contido logo pelo segurança.

- Continuando, “Deixo para minha esposa Matilde, o controle financeiro da casa e o numerário que eu possuía em minhas contas está em uma conta que abri em seu nome.” Parabéns, Matilde.

- Obrigado, Almeida, mas... prossiga!

- “Para minhas trigêmeas, deixo de herança: para a aventureira Alice, minha fazenda no interior; para a praieira Aline, minha casa de Cabo Frio; e para a simpática Albina, meu apartamento em Icaraí.”

- E para Alma, não ficou nada? – perguntou Albina

- “Para minha filha Alma, a qual não poderia deixar de fora, além do seio familiar, deixo também meu apartamento na Urca. Além disso, deixo uma parte do meu numerário financeiro, no controle de Matilde, para cada uma das quatro filhas, a título de autonomia financeira. Espero que continuem sendo uma família unida, agora com mais uma integrante. Beijos do seu querido Albino.” E acabou.

- Peraí, acabou assim, sem mais nem menos?

- Sim, acabou.

- Mas ele não te deixou nada? Logo você, que era tão amigo dele?

- Alberto, ao contrário do que você pode pensar, não fui amigo do seu pai pelo dinheiro. Fui porque eu sempre admirei a pessoa dele e ele à minha. Nossa amizade não tinha interesse profissional ou financeiro.

- Mas você nunca pensou nisso?

- Se eu pensasse do mesmo modo que você, vocês não teriam nada na verdade.

- Por quê?

- Seu pai queria deixar todos os bens para mim e para o doutor Almeida. A mulher e os filhos ficariam sem nada. – respondeu Alma – Esperamos que você pense no próximo como seu pai fazia.

Naquela hora os filhos se reuniram e decidiram dar uma quantia ao doutor Almeida, que ele prontamente recusou. Para ele, importava mais o amigo que perdeu do que benefícios financeiros. Mas, depois de muita insistência, não recusou o presente dado. Quanto à família, não mudou muita coisa. Apenas a entrada de Alma Magna em seu seio familiar, como o pai queria. E a volta à vida normal.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O testamento - Parte I

‘Seu’ Albino era uma pessoa alegre e bondosa. Casado com dona Matilde e pai de cinco filhos, todos crescidos, tinha um coração tão grande quanto a soma que havia em sua conta bancária. Por isso, os filhos aguardavam com ansiedade a leitura do testamento. Afinal, além da generosa conta, o pai havia deixado várias posses, como uma fazenda no interior do Rio; um apartamento na Urca e outro, em Icaraí; uma empresa no Centro com filiais em São Gonçalo e nas Zonas Norte e Oeste; uma casa em Cabo Frio; além de participações em diversas empresas. Ou seja, uma senhora herança.

Albininho, o mais velho, era quem queria receber a maior parcela do bolo. Por isso, enquanto o pai era vivo, era ele quem mais motivava o pai a fazer o testamento. O pai vivia desconfiado. Acreditava que o filho fazia aquilo para matá-lo em seguida. Por isso ‘seu’ Albino havia relutado tanto. Mas foi o pai fazê-lo para sofrer um enfarto.

Não era só Albininho que crescia o olho nos bens. Alberto, o segundo filho, fazia coro com o mais velho, e também recebia a desconfiança do pai. Este mais que aquele, pois estava iniciado nas atividades da empresa. Era o único dos cinco que se interessava pelos negócios da família. Era vice-presidente da empresa, sabia da cotação das participações do pai... Parecia que ele era quem mais se interessava.

Enquanto isso, as trigêmeas, ainda em idade escolar, estavam alheias ao caso. Aline, Alice e Albina estavam mais preocupadas com o pai que se divertia com elas do que com herança a que tinham direito. Para elas, pouco importava se o pai tinha deixado alguma coisa. Queriam que ele estivesse ali. Estavam inconsoláveis, por isso seus interesses eram defendidos pela mãe.

Alheia à confusão criada pelos filhos, dona Matilde lamentava a falta que o companheiro que fazia. Não pela presença dele como pessoa, mas pelo fato de assinar os cheques com que pagava as contas dela. Como ambos eram avessos a cartão de crédito, ele mais que ela, por saber que ela gastaria mais se pudesse, haviam acordado de fazer as compras, necessárias ou não, em cheque no nome dele. Com o dinheiro e o suor do marido, tornou-se uma notável celebridade da alta sociedade carioca.

Estavam todos na antesala do escritório do doutor Almeida, advogado da família. Ele era o único que já conhecia o teor do documento, e não podia, naquele momento, dar mostras disso. Por isso, a seriedade no rosto daquele senhor tão alegre e bonachão que todos ali já conheciam espantou principalmente a Alberto e Albininho.

- Oi, tio Almeida! – disseram as trigêmeas em uníssono ao vê-lo entrar na sala.

- Olá, meninas. Olá pra vocês também.

- Olá – respondeu secamente a mulher, que não simpatizava com o advogado. Afinal, a ideia das compras no cheque partira dele, que era o verdadeiro confidente do falecido.

- Podemos saber o porquê dessa seriedade?

- Porque a situação assim o exige, Alberto. Sei que todos estão acostumados com minhas brincadeiras e meu sorriso sincero no rosto. Mas também tenho sentimentos tristes, que afloraram quando soube do ocorrido. Éramos muito amigos.

- Quanta melosidade!

- Pare de criancices, Albininho! Pode iniciar a leitura do testamento, seu Almeida?

- Daqui a pouco. Minha assistente foi buscá-lo.

Enquanto a assistente não vinha, Almeida tentou conversar com eles para saber do estado em que eles estavam com a morte do pai e esposo. Enquanto a conversa rolava, Adélia, a assistente, chegou com o papel tão esperado, para comemoração geral.

- Vamos dar início à leitura do testamento. Antes... Adélia, aquela pessoa chegou?

- Que pessoa? – perguntou Matilde

- Vocês saberão quando ela chegar. Ela chegou?

- Ainda não, senhor. Quando ela chegar, eu a anunciarei.

- Obrigado, Adélia.

- Agora vai falar quem é essa pessoa ou não?

- Acalme-se, Matilde. Quando essa pessoa chegar, vocês saberão o porquê de todo esse sigilo.

- É alguma amante dele, não é? Fale logo, pois estou agoniada.

- Doutor, ela chegou. – interrompeu a assistente, para alívio de Almeida.

- Mande-a entrar.

De repente, todos se voltam para olhar a pessoa misteriosa. Quando entra na sala uma jovem de aproximadamente 20 anos.

- Boa tarde a todos.

- Boa tarde. Sente-se, por favor.

- Obrigada, doutor.

- Tio Almeida, quem é essa jovem?

- Essa jovem, Alice...

- Sou a Aline.

- Desculpe, Aline. Essa jovem, segundo seu pai me disse, é sua irmã.

- Irmã? – os seis perguntaram em coro

- Sim.

- Mas isso não é possível! Papai mal saía da empresa em horário de trabalho para almoçar, e dificilmente viajava, por qualquer motivo que fosse.

- Pois é, Alberto...quase! – disse a mãe.

- Então a senhora não está surpresa? Porque nós...

- Eu pensava o mesmo que vocês. Mas me lembro que seu pai, quando vocês eram mais novos, e as meninas ainda não haviam nascido, falou comigo do desejo de ter uma filha mulher.

- Mas nós nascemos, e ele sempre foi legal com a gente.

- Pois é, meninas, mas antes de vocês, parece que apareceu um outro alguem que satisfez o desejo dele antes de mim.

- Agora entendo porque papai sempre foi desconfiado comigo e com o mano.

- Agora que quem faltava chegou, e vocês já se conhecem, posso iniciar a leitura?

- Já deveria! Depois desse baque...

- Alberto!

- Vai me dizer que a senhora vai aceitar esse fato calada? Ele te traiu, mamãe! E soube esconder isso muito bem!

- Eu vou. E quem você pensa que é, Alberto Moreira Pontes, para falar comigo, que sou sua mãe dessa maneira?

- Pessoal, se o problema sou eu, posso sair daqui, não tem problema.

- Não! – intrometeu-se o advogado.

- Por que ela não pode? Há algo que papai contou a ela que não contou a nós?

- Acabo de ver no testamento que sim, há!

- Agora, só saberemos no momento em que você calar essa sua matraca e deixar doutor
Almeida ler a porra do testamento! Tomara que papai tenha descoberto sua falsidade a tempo e tenha te deserdado!

Alberto ensaiou um ataque a Albininho, mas foi contido pela mãe, até que um segurança do advogado entrou no escritório para acalmar os ânimos do segundo filho. Depois de 20 minutos, nos quais Matilde e as trigêmeas encheram a suposta filha de perguntas, o advogado reuniu todos em torno de sua mesa para fazer a leitura.

- “ Todos sabem que é com imensa dor que eu faço este testamento, o qual confio ao meu amigo, o doutor Roberto Aragão de Sousa e Almeida. Testamento esse que faço obrigado, graças a insistentes investidas interesseiras de meu filho Alberto, o qual sempre mostrou ter grandes interesses em meus bens materiais.”

- E isso é verdade!

- Cale-se!

- Continuando, “ao contrário de meu primogênito, que carrega em meu nome a esperança de honrar o nome que lhe dei, Albino Moreira Filho. E de minhas filhas, Alice Moreira Pontes, Aline Moreira Pontes, Albina Moreira Pontes e minha filha mais velha, Alma Magna Moreira Ribeiro.”

- Peraí. Bino já sabia da existência dela antes de fazer o testamento, Almeida?

- Sim, sabia.

Nessa hora, Matilde começou a chorar. Ao ver a cena, Alma se comoveu, ofereceu um lenço para a senhora e pediu desculpas pela aparição repentina. A senhora agradeceu, disse que a jovem não tinha que pedir desculpas por nascer fora do casamento, provocando ciúmes nas meninas.

- Doutor Almeida, poderia cortar para a parte em que eu entro?

- Como assim para a parte em que ela entra? – quis saber Alberto.

- Tudo bem, seja feita sua vontade.

- Que história é essa, doutor Almeida? Como ela sabia que estava... – nesse momento, a mãe pôs-lhe uma mordaça, com ajuda do segurança.

- Obrigado, Matilde.

- Disponha.

- Como Alberto dizia, ela está no testamento, mas numa singela indicação. Trouxe a carta, menina Alma?

- Sim. Ele havia me falado dela, pediu que eu guardasse bem, e que não lesse antes da hora certa. Então é essa a hora certa?

- Segundo o testamento, sim. Aqui, ele diz: “Deixei com minha filha bastarda uma carta, na qual estão as minhas reais sensações a respeito do assunto. Em inúmeras conversas com o doutor Almeida, deixei antecipado alguns itens, que gostaria que ele lhes dissesse antes da leitura da carta.” Conforme sua vontade, fá-lo-ei.

(Continua...)

sábado, 25 de julho de 2009

Tensão e medo na madrugada

Meia-noite. Cansado e com sono, eu vinha caminhando pela rua deserta quando , de repente, ouvi umas pisadas leves atrás de mim. Senti um frio no estômago. Decidi parar para ver quem (ou o quê) estava me seguindo. Mas, ao olhar para trás, não havia desaparecido repentinamente. Decidi continuar meu caminho e escutei as leves pisadas novamente. Voltei a olhar e nada. Não havia nem sombra. Enquanto seguia meu caminho me deparei com um corpo ensanguentado estirado no chão. Achei que era seguido pelo assassino da pessoa cujo corpo encontrei. Apressei meus passos e voltei a escutar as pisadas, desta vez num ritmo mais forte. Não me preocupei e segui meu caminho. De repente, descubro que era um gato preto. Fiquei aliviado.

Enquanto andava pela madrugada escura da cidade, escutei uns sussurros de dentro do cemitério local. Decidi entrar, afinal já estava no portão de entrada. Entrei, caminhei perto das covas e, de repente, tornei a escutar as pisadas. Achava que era o gato de novo mas, quando olhei para trás, me surpreendi. Era apenas o coveiro do cemitério. Ele me explicou que tudo aquilo não passava de uma brincadeira de uns garotos que gostavam de tirar um sarro de algumas pessoas. Investiguei e descobri que quem fazia aquilo eram meus amigos. Revoltado, e vendo que eles estavam a tirar sarro de mim, escondidos atrás de uma tumba, conversei com o coveiro na intenção de dar o troco. Fiz um plano bem bolado, mas que acabou não dando certo.

- Desiste! Essa brincadeira não cola com a gente!

Desanimado, saí para casa quando vejo que todos que caçoavam de mim estavam correndo, desesperados. Minha brincadeira não havia dado certo, mas o lugar estava mal-assombrado. Para surpresa de todos, não fiquei com medo.

- Você não vai correr, seu pamonha?

- Correr por quê? Não é mais uma de suas brincadeiras?

- Que nada! Realmente tem um zumbi vindo nos pegar! Se eu sou você, corria o mais rápido que podia!

E saiu em disparada. Ao ver a cena, esqueci-me do sono que tinha e segui meu caminho, quando senti uma mão fria em meu ombro, me cutucando. Quando me virei, achei que era o coveiro. Até brinquei com ele, dizendo que não havia mais necessidade de continuar fantasiado, pois os meus amigos já haviam tomado o susto que me fazia vingar deles. Qual não foi minha surpresa ao ver o coveiro na minha frente, e aquele zumbi com a mão em meu ombro.

- Eu acabei de chegar. E seus amigos, cadê?

- Mas se você não tava aqui, quem é que tá...?

Quando me dei conta de que era um zumbi, não pensei duas vezes e saí correndo, igual a meus amigos. O coveiro não entendeu o porquê do meu medo e caiu na gargalhada. Depois fui descobrir que ele e um amigo decidiram pregar uma peça nos garotos que teimavam em brincar no cemitério. Desde então, ninguém não mais ouvi falar de alguém que tenha brincado no cemitério. Pelo menos saí com a consciência tranquila, pois o troco estava dado. E vê-los correndo de medo do cemitério, antes de mim, foi muito gostoso. Agora eles pensam duas vezes antes de mexer comigo. Como se eu tivesse a ver com aquilo.

domingo, 12 de julho de 2009

Como nasce um grande goleiro

Era dia de clássico decisivo e o estádio estava lotado. Ricardo estava apreensivo junto com seus companheiros. Afinal, era a primeira vez que jogaria pelo time profissional adulto. E justo na final do campeonato. Ao seu lado, nomes consagrados pela torcida de seu time, com indicações para a seleção nacional inclusive. Os adversários, idem. Estavam embalados pela liderança do campeonato e pela série de quatro vitórias consecutivas. Mas Ricardo não os temia. Sua tensão era maior que seus oponentes. Tentando se acalmar, começou seu trabalho de aquecimento quando Sandrinho, astro de seu time, chamou-o num canto.

- Está nervoso, garoto?

- Muito! Esperei muito por esse momento!

- Não esquenta não. Lembre-se da tua época das divisões de base, onde poucos o viam jogar, e pense que ninguém está te vendo agora. E vê se esquece o que a mídia está falando deles. Somos tão nos quanto eles.

- É difícil, mas posso tentar.

- Assim é que se fala.

Ricardo abriu um largo sorriso e balançou a cabeça positivamente. As palavras de Sandrinho ajudaram a acalmá-lo.

Depois da conversa, os times se aprontaram para o jogo. Perfilados os times para entrar em campo, Ricardo ouviu algumas provocações adversárias.

- Sua estreia vai ser inesuqecível: com goleada.

- Lugar de criança é na arquibancada. Aqui é pra homens.

- Já vi que hoje teremos frango no cardápio.

A essas seguiram-se outras, impublicáveis. Mas Ricardo não se abalou, nem seus companheiros. Estavam tranquilos e prontos a encarar os outros, certos de que seria uma luta de iguais. Depois de tudo isso, os times foram a campo, aqueceram-se mais um pouco até o árbitro interrompê-los, visando o início do jogo.

As equipes, preparadas. O árbitro e os auxiliares, idem. Priiiiiiii! Soa o apito para o início de jogo. Os adversários começam pressionando e ele logo começa a mostrar o seu valor. Defendeu bolas rasteiras, aéreas, saiu nos pés do centroavante... E, para a alegria do goleiro, Sandrinho driblou meio time no contra-ataque e foi derrubado na área. Pênalti que ele mesmo bateu, fazendo 1 a 0 no placar. Resultado que permaneceu até o fim do primeiro tempo. Na porta do vestiário, o artilheiro esperava pelo goleiro.

- E aí, moleque, ainda tá nervoso?

- Que nada! Tá duro, mas tô fazendo o meu.

- Isso aí! Continua fazendo, porque nós, a torcida e o time, confiamos no seu talento. Não nos decepcione! – bradava Matoso, o técnico do time, que deu sua preleção ao time até o fim do intervalo.

Terminado o intervalo, voltam os times a campo. O goleiro foi o último a subir. Estava com a consciência pesada. “Meu Deus! Se eu falhar, como será a reação de todos?” Até um novo chamado do técnico, que o fez acordar do transe em que estava. Quando subiu a campo, se emocionou quando a torcida gritou seu nome. Era a certeza da confiança que tinham nele. Mas a autoconfiança acabou no início do segundo tempo. Cheio de si, o goleiro sofreu uma falha grande. Gol do adversário, que naquele momento vinha com tudo. O sofrimento do goleiro voltou.
- Esquenta não, garoto! Levanta que ainda tem jogo.

- Mas eles empataram! Como é que eu vou ter forças...

- Olha a nossa torcida, porra! – gritou Diego, um dos zagueiros do time. A torcida gritava o nome do goleiro, motivando-o. Quando ele olhou para a torcida, ela foi ao delírio. Ele, enfim, estava convicto de que a torcida confiava nele, mesmo depois da falha. Aquilo bastou para devolver-lhe a confiança, que o fez voltar a atuação excelente que tinha antes do gol, e mantê-la até o fim do jogo. O mesmo acabou empatado em 1 a 1 e , como o regulamento previa jogo único, a decisão seria por cobranças de pênaltis.

Ricardo se isolou próximo a uma das traves para se concentrar. O treinador o chamou e, junto aos demais batedores do time, disse algumas palavras de motivação. Quando terminou, Matoso disse a Ricardo que confiava nele, mas ele parecia não ter ouvido.

As cobranças começariam e Ricardo começava defendendo a meta. Na primeira cobrança, ele defendeu e comemorou. Mas a festa foi precipitada, pois o primeiro batedor de seu time chutou para fora. Dali em diante, acertos de ambos os lados até a quarta série de cobranças. Ricardo estaria frente a frente com Marquinhos, camisa 11 da seleção. Olho na bola, olho no batedor, “eu vou pegar essa”, o chute... e a defesa do goleiro, para sua alegria. A disputa seguia empatada e seu time ainda teria duas cobranças a fazer, contra uma do adversário. A torcida já comemorava o título antecipadamente, “os nossos batedores não vão perder”, “a taça é nossa”. A cobrança de Juca foi perfeita, bola num canto, goleiro, noutro, e o time de Ricardo passou à frente: 3 a 2. A quinta cobrança se iniciaria e mais um desafio para Ricardo: o batedor adversário era Macalé, um dos que o provocaram antes do jogo. Para sua infelicidade, ele fez o gol e a decisão ficou a cargo de... Ricardo. O goleiro não acreditou. Era dele o chute decisivo, que poderia dar o primeiro título daquele campeonato para o seu time.

- Vai lá, moleque! ‘Mete’ essa na rede! – gritaram seus companheiros, que depositavam uma enorme confiança nele.

Tal qual Marcelinho Carioca fazia, o goleiro acariciou e beijou a bola, até colocá-la na marca da cal, a curta distância do gol. Silêncio total no estádio. O apito do juiz, autorizando a cobrança, soou como um gongo. Ricardo respirou fundo, correu na direção da bola e... jogou-a por cima do gol, como se fosse um tiro de meta. Ricardo chorou de desespero. Mais uma série de cobranças se iniciaria. Ricardo, ainda abalado, não segurou a cobrança adversária e viu o goleiro adversário defender a cobrança de Sandrinho. Fim de jogo e festa do time adversário.

Em meio às comemorações de entrega de medalhas e troféus, Ricardo chorava desolado debaixo da baliza, sendo consolado por seus companheiros. E levaram-no para o pódio, onde receberiam as medalhas de prata. O goleiro foi o último a receber sua medalha, mas recebeu um abraço caloroso do treinador da seleção nacional.

- Não se deixe abater. Você fez um grande jogo, e ainda haverão outras oportunidades pra você, que é novo. Além do mais, é assim que a torcida cria seus ‘heróis’. Quem sabe uma dia não nos veremos na seleção.

Ricardo olhou firme para ele. Era o impulso que precisava para saber que, a partir dali, seria respeitado. Quem sabe seria tornada real a profecia do treinador. Aquela derrota já não doía tanto.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Noite de Cão

Chovia a cântaros na cidade. O relógio marcava 5 da tarde e Marcelo havia acabado de sair do trabalho. Desprevenido, com aquele toró e vestindo roupa nova, decidiu fazer serão no escrítório. Ao voltar para sua sala, Antenor, seu chefe, estranhou sua atitude e presença no local.

- Ué! Não era a sua pessoa que estava com muita pressa para ir embora?

- Sabe o que é, 'seu' Antenor, é que eu fiquei com pena do senhor.

- Pena de mim? Por quê?

- Porque o senhor iria ficar sozinho aqui, até altas horas da noite. Então decidi voltar e fazer companhia ao senhor por mais algumas horas.

- Companhia a mim? Sei... Você voltou foi por causa daquilo!

E abriu a persiana da janela do escritório, que tinha uma bela vista panorâmica da cidade.

- Está chovendo a cântaros lá fora. Foi por isso que você voltou.

- Não acredita em mim, chefe? No seu funcionário mais leal?

- Mais leal!? O Alencar já se mandou há horas. Ele é meu funcionário mais leal! E já que queres ficar e me fazer companhia, passarei algumas tarefinhas pra você. E você só sairá ao terminar as tarefas, fui claro?

- Sim, senhor!

Mas Marcelo não sabia o que o esperava. A chuva não cessava e ele estava cansado. Antenor, para provocar, "motivou-o" prontamente, dando-lhe cada vez mais tarefas.

- Chefe, tenha dó! Já acabei com o que tinha de fazer e o senhor me dá mais trabalho!?

- Vai admitir que só ficou aqui por causa da chuva?

- Não vou, pois não foi por isso!

- Então você não se importa com mais estas tarefas, certo?

De repente, a chuva cessou. A paciência de Marcelo acabou e Antenor insistia em provocá-lo.

- Responda, rapaz! Você não há de se importar, há?

- Sim, eu hei! E quer saber, enfie seus papéis no...

- Olhe o respeito comigo, rapaz! Eu ainda sou seu chefe!

- Fodam-se você e seus comparsas! Eu já tô de saco cheio disso! E quer saber, eu fiquei foi por causa da chuva mesmo! E vou embora, pois não aguento mais olhar pra tua cara hoje!

- Ótimo! Ponha-se daqui pra fora agora mesmo! Amanhã, quando estivermos mais calmos nos entenderemos melhor!

- Pra que deixar pra amanhã o que se pode resolver hoje!

- De acordo! Você está demitido! Pegue suas coisas e rua!

Foi então que Marcelo acordou do transe de raiva e se deu conta do que fez. Ficou cabisbaixo e chorou. Pegou suas coisas, saiu e, para aumentar seu desespero, o temporal voltou a desabar. Correu até um bar próximo e ocupou a única mesa coberta que havia no lugar. Eram já 8 da noite e ele queria se acalmar pois, nervoso como estava, brigaria com Isabel, sua esposa, e o dia não acabaria bem.

- Vai alguma coisa, senhor?

- Uma caipirinha com muito gelo e muito limão, por favor.

Somente uma caipirinha acalmava-o. Entre goles encontrou Miguel, um "amigo de copo". Começaram a bater um longo papo e a hora passou sem que percebessem. Quando Marcelo se deu conta, viu que eram perto das 11 da noite. Com um "probleminha": com cinco doses de caipirinha ele estava bêbado. Miguel já havia saído de mansinho (disse que iria ao banheiro e deixou o outro só) e deixou a conta para Marcelo pagar. Tinham, somadas as doses que tomaram, 30 doses de caipirinha. Ou seja, Miguel havia tomado o quíntuplo de doses que Marcelo tomou e o trouxa teve que pagar. O garçom chamou um táxi, que Marcelo dispensou. Afinal, morava perto. Mas mal sabia o que o esperava.

No caminho para casa, um trombadinha assaltou-o, levando sua carteira e seu relógio. Só não levou a roupa do corpo porque o meliante o achou feio, e "se vestido assim é medonho, imagine pelado!" Ao chegar na portaria do seu prédio, o porteiro acudiu-o. Ajudou-o a subir a escadaria da entrada e colocou-o no elevador. Ao chegar no andar onde morava, encontrou Isabel aos beijos com Miguel. Ao ver a cena, voltou a ser tomado pela raiva.

- Quê que se passa aqui! Não creio no que vejo!

- Calma, amor! Eu posso explicar!

- Celão, não é nada disso que você tá pensando!

- Não acredito! Você me larga com uma conta enorme de caipirinhas pra pagar e vem fazer minha mulher de tira-gosto! Cara de pau!

- Amor, não faça nada de que...

- Cala a boca, vadia! Você não me merece! Ninguém me ama, ninguém me quer! Vou pôr um fim nisso tudo!

- Calma, amor!

- Marcelo, calma!

E saiu em disparada para dentro de casa. Miguel saiu em velocidade, ao mesmo tempo de Marcelo, que naquela hora estava curado da bebedeira. Isabel entrou em casa para demover o marido da ideia mas era tarde demais. Marcelo não havia suportado a noite de cão que viveu e fez dela a última noite de sua vida. Mas não foi sozinho. Ao cair, atirou na direção de Miguel. Morreu e levou o outro para acertar as contas, onde quer que estejam.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Dois pesos, uma medida

Era uma tarde muito agradável e Estácio avisou à família que sairia para comprar cigarros. Só não contava encontrar a turma da pelada matinal por lá. Assim que Estácio entrou no bar, Lourival tratou logo de chamá-lo.


- Estácio, meu amigo! Há quanto tempo! O que está acontecendo com você, não vai mais pras peladas...


- É, realmente, muito tempo... Só que casei. Se lembra da Alzirinha?


- Alzirinha? Aquela que no colégio ficou com o Mateus, o Zé Pinguela, o Antoninho...


- ...E com o Paulo, o Mangaba e o Tadeu. A mesma. Pois é, dei em cima, cheguei junto e pimba! Bola sete na caçapa do meio.


- Mas como é que se deu isso?


- É o seguinte: sabe aquele forró que tinha lá perto de casa? Então, descobri que ela ia pra lá? Num belo dia, eu tava só, ela também, e chamei ela pra dançar. Ela topou, joguei um papo e... aí já viu, né?


- E o que é que rolou?


- Assumimos um rolo sério, eu com ela, tudo direitinho. O tempo foi passando, fizemos nossa casinha e juntamos nossos trapos.


- Pô, beleza! Mas o que rolou que tu sumiu lá da pelada? Vai me dizer que ela...


- É isso mesmo. Ela barrou! E tem mais: se ela descobrir, eu tô frito!


- Vamos deixar isso pra lá! Puxe uma cadeira e sente aqui com a gente. Garçom, mais um copo!


Ele queria fugir mas não conseguira. Lourival e os outros, que estavam à mesa, convenceram-no a ficar. Papo vai, papovem, eis que aparece Juninho, o filho caçula de Estácio, com mais três crianças (os filhos de Lourival).Sabendo que Juninho era o mais fofoqueiro de seus três filhos. Estácio começou a tremer. Seus amigos estranharam, principalmente Lourival.


- Que que foi, Estácio? Parece que viu assombração!


- Tá vendo aqueles três garotos vindo pra cá?


- Sim, são meus filhos com o Tacinho, o colega deles.


- Pois é, Tacinho é meu filho. Aliás, o mais caguete deles.


- Que isso! Ele é um excelente garoto, show de bola!


- Mas tem a língua solta que só.


- Tá bom... Mas porque o medo?


- Lourival, ‘cê ainda não viu que o Tácio tá com medo da Alzirinha? Se o moleque é o maior caguete, é claro que ele vai bater pra mãe! – ressaltou Antoninho, até então quieto.


Estácio teimava em negar, mas estava nítido que era medo de Juninho (ou Tacinho, como queiram) descobrí-lo ali. Medo concreto, aparente, de quem é submisso da mulher. Seus amigos zombavam, pois Estácio, na época do colégio, era o mais assediado do grupo. Segundo contam, tinha até um certo charme, mas não era um Don Juan.


- Que foi que aconteceu com o galã do Assaré? Virou cachorrinho de madama, é? – zombava Zé Pinguela.


- Que nada! Alzira virou a "peã boiadeira" e laçou o touro bravo. Aproveitou pra castrar ele e fazer dele um boi. Tadinho dele! – Antoninho voltou a zombar


E o nosso herói lá, calado na dele. Até que surge um menininho por trás de Antoninho, cutucando-o.


- Paiê, a mãe perguntou cadê o refri do almoço que o senhor falou que ia levar e até agora não apareceu?


- Manda ela pro raio que o parta, Gabriel, pô! Você não tá vendo que eu tô aqui conversando com o pessoal?


- Que que eu falo pra ela então?


- E então, Antônio, que que você fala pra sua mulher? Diz pro garoto! – desafiava Estácio.


- Deixa quieto! Fala que já tô indo!


A gargalhada foi geral. Antoninho, que tanto pregara a superioridade masculina, era um "pau-mandado" de sua esposa. Retirou-se da mesa e foi ao encontro de sua mulher. Logo depois Gabriel volta com um recado de Antoninho:


- O pai pediu pra avisar que não vai dar pra ele voltar não.


- Por quê? Tua mãe tá batendo muito nele? – perguntou Lourival.


- Inda não, mas tá falando pra caramba!!


Nova gargalhada na mesa do bar. Envolto na gargalhada e na conversa, Estácio nem percebe a aproximação de Juninho, que o cutuca por trás.


- Ué, pai, o senhor não disse que ia comprar o cigarro?


- E agora, Tácio, como é que você fica? – zomba Lourival, que não percebe que Dinorá, sua esposa, que chega por trás dele e berra:


- LÔ-RI-VAL!!!! Que que tu tá fazendo aqui, traste? Tu não ia comprar o cano pra consertar o encanamento da cozinha?


- Hein?! Que que você dizia, Lourival? – zombava Estácio.


- Psiu... Cala a boca! – sussurrava Lourival.


- Então, Lourival, vai me responder ou não?


- Dinorazinha...


- Dinorazinha é o cacete! Vambora agora! – e desceu o rolo de macarrão no pobre do Lourival. Estácio só ria da situação.


- E agora que vai me chamar de cagão, de "pau-mandado" de mulher? Todos nessa mesa tem um pé atrás quando se fala de mulher.


E a mesa aquietou-se, com a conversa tomando outros rumos. Desde aquele dia, ninguém se atreveu a discutir as atitudes familiares de cada em e nem zombar do outro por isso. Era permitido discutir de tudo, de política a futebol, menos de mulheres e família.


Antes que eu me esqueça, a alegria do nosso herói durou pouquíssimo. O filho realmente dedurou-o para a mãe, que foi buscá-lo no bar e levou-o debaixo de porrada. Mas naquela hora ninguem zombou, pois aconteceu com todos que lá estavam. Alguns revidaram, e foram denunciados por agressão às sua mulheres. Hoje, eles estão em cana.

sábado, 9 de maio de 2009

Um amor da família

- Acorda, moleque! Levanta pra vida, vagabundo!

Assim meu pai me acordava todas as manhãs. Em resposta, eu levantava resmungando.

- Tá reclamando de quê, vadio? Você não faz merda nenhuma pra ajudar em casa!

E eu ia para o banheiro, tomar um banho e sair para trabalhar. Para meu pai eu não era um trabalhador, eu era um imprestável que vivia em casa, à toa. Mas eu não ligava.

Um belo dia meu pai provocou-me de um modo digamos mais acintoso. Ele estava revoltado, pois havia perdido seu emprego no dia anterior e estava a ponto de matar minha mãe e eu.

- Seu filho da puta, levanta dessa cama que eu não suporto mais olhar para sua cara e nem da puta da sua mãe.

Naquela hora meu sangue subiu a cabeça. Virei-me em sua direção e fuzilei-lhe um olhar.

- Não me olha assim, não! Você é um desgraçado, inútil, filho da pior puta deste mundo, que cobra muito caro por uma trepada que acabou com a minha vida!

- Pra mim já chega! Já aturei coisa demais!

- O que é que você vai fazer, seu borrabotas?

- Isso, velho desgraçado! – e desferi-lhe um soco na cara. Caímos na porrada naquele exato momento. Findada a briga e vendo que havia levado a pior (eu era carateca e me preparava para campeonatos), meu pai me expulsou de casa. Eu saí indignado, minha mãe pedindo para que não fôsse, mas ela indo atrás de mim.

Fui embora. Bati na porta de um amigo, ele me deixou ficar em sua casa. Contei minha história, ele me apoiou. Vimos uns filmes pornôs que ele tinha em casa e bebemos durante aquela noite. Meu trabalho? Esqueci.

No dia seguinte, acordei e fui trabalhar. Que merda! Não tava a fim de ir trabalhar naquele dia. A ressaca tava forte. Mas fui assim mesmo. Quando cheguei lá, uma novidade: meu chefe tinha sido transferido pra outra cidade. No lugar dele, entrou uma mulher. Cara, que mulher! Morena, um metro e oitenta, corpaço em forma... em resumo, uma deusa de ébano. Toda a firma queria trepar com ela, e comigo não era diferente. Pena que ela não dava bola pra ninguém. Isso uma semana depois do porre.

Até que um dia ela me chamou na sala dela. Mostrou uma cadeira, pediu que eu sentasse. Logo imaginei que ela queria me mandar embora, pela semana que fiquei fora da firma, pra curar aquela ressaca. Tava preocupado pra cacete. Então ela começou a falar, e falar, eu nervoso pra caramba, até que ela me perguntou por que eu tinha começado a trabalhar ali Sabia que era minha chance de segurar o trabalho, por isso fui franco.

- Vim pra cá porque meu pai não vale nada, e eu queria ganhar meu próprio dinheiro e mostrar pra ele que não precisava ficar na dependência dele. Ainda bem que não moro mais com ele. O desgraçado me botou pra fora de casa feito um cachorro, depois da gente baixar na porrada um com o outro.

- Se ele é tão ruim assim, porque você não o mata?

- O quê!? Ficou maluca!?

- Talvez. Hoje eu acordei e decidi fazer tudo que me desse vontade. Eu queria Ter matado meu pai, mas um desgraçado tomou minha frente e matou-o primeiro. Se você quiser matar o seu, faça-o antes que outro o faça. Agora pode ir. Eu tinha te chamado pra te dar sua carta de demissão, mas mudei de idéia.

- Já que não vai me dar a carta de demissão, que tal o número do seu telefone?

- Aí, você já quer demais. – E soltou uma risadinha safada, como quem convida ao outro a fazer besteiras.

Passei o resto do dia encucado com minha chefe. Ela até me deu o número! Achei ela muito louca, mas continuei a trabalhar, pensando na ideia que ela me deu. Quando acabou meu expediente, fui a uma loja de armas e comprei uma doze com uma caixa de cartuchos. Passei na casa de meu colega, deixei minhas coisas e, decidido, fui para casa de meus pais.

Quando lá cheguei, entrei em casa sem bater. Minha mãe estava dormindo na sala com uma faca no chão. Eu imaginei o pior, mas a faca estava limpa. Ela devia ter feito algum lanche noturno. Fui para a cozinha, onde naquela hora eu sabia que ele estaria lá, mas achei ele decepado no chão. Dei um berro, ‘que merda!’, e ouvi minha mãe dizerque estava tudo bem. Ela havia matado ele. E eu, assim como a louca da minha chefe, me ferrei. A desgraçada da minha mãe matou ele primeiro.

Quanto a minha chefe, demos uma bela duma trepada e estamos juntos até hoje, pra inveja dos meus colegas de firma. É como dizem: quem não chora, não mama.

sábado, 18 de abril de 2009

A Aposta

Este foi não foi um caso que tive de investigar. Mas era engraçado como me contaram, por isso eu relatarei entre minhas histórias. Isso aconteceu com meu amigo Alípio.

Ele chegou em casa ofegante. A mulher estranhou, pois, até onde sabia, o marido não devia nada a ninguén, nem se envolvia com bandidagem ou jogatina. Maior ainda foi o espanto dela quando quase botaram a porta da sala abaixo, gritando:

-Sai daí, Alípio!

-Honra tua palavra, sacana!

-Mete a cara na rua, babaca!

A mulher continuava sem entender nada. Ele sentou-se no sofá, respirando fundo, tentando pegar fôlego. Quando recobrou a consciência a mulher exigiu explicações. quando Alípio explicou que o motivo de tanto frenesi era uma aposta que ele perdera, ela continuava sem entender aquela algazarra. Quando Junior, o filho, entrou em casa, pela porta dos fundos, logo perguntou aos pais o que estava acontecendo. A mãe respondeu que também queria saber. Mas Junior sabia da aposta e, quando soube que o pai a perdeu, desatou a rir na cara dele. Revoltado com o deboche do filho, Alípio avançou contra ele mas Matilde entrou na frente, mandando o garoto para o quarto.

-Deixe o garoto em paz e me diga que raio de aposta é essa!

-Não falo porque não vou pagar!

-Foda-se se você vai ou não pagar!Eu quero é saber que raio de aposta é esta?

Quando Alípio enfim contou, Matilde caiu na gargalhada. Ela não acreditava na aposta que ele havia feito.

-Mas por que você fez isso? Não sabia que a chance de você ganhar era quase nula, estrupício?

-Mas eu acreditei! Perdi, mas não vou pagar!

-Logo você, velho, que sempre cobra dos outros, não quer pagar a aposta!?-Junior descia a escada com uma câmera na mão.

-Você não vai fazer isso, moleque!

-Vou e você vai ter que pagar essa aposta!Se for preciso chamar o pessoal do bar, eu chamarei! Você não dá lição de moral em todo mundo quando você ganha?Agora saiba perder, meu velho!

Neste momento entra na sala o Matias, irmão mais novo de Alípio, também pela porta dos fundos. Aos risos, pergunta ao irmão o que ele vai esperar para pagar a aposta. Quando Junior e Matilde contaram-lhe do que Alípio queria fazer, ele engroussou o coro.

- Você sabia do risco. Agora paga!

-Não pago! Se eu ganhasse, ninguém iria pagar!

-Mas faria pressão pra pagar!

-Já te mandei calar a boca, moleque!

-Que que é isso, Alípio! Bater no menino por causa de besteira sua, não aceito!Agora paga a porra dessa aposta antes que eu chame todo mundo aqui pra dentro!

Acuado, ele não encontrou outra solução. Respirou fundo, antes de encarar a multidão que o esperava no quintal. Quando pôs a cara para fora de casa, ecoaram "vivas" e "até-que-enfins".

-E então, vai pagar ou não?

-Vou pagar!- os "vivas" soaram novamente -Mas eu preciso me preparar psicologicamente pra isso!

-Quê!?Você não dá brecha quando ganha, agora quer ter brecha?! Faça-nos o favor!

A multidão exigiu o cumprimento imediato da aposta. Sem saída, vendo que o sádico do filho trazia a câmera e a mulher ameaçava-o, decidiu sair para cumprir a aposta.

Quando Alípio saiu, a multidão ficou em polvorosa. Todos perguntaram se ele iria cumprir. Cabisbaixo, ele respondeu que sim. Voltou para dentro da casa, se vestiu adequadamente para cumprir a aposta. Quando saiu, foi uma gargalhada geral. O perdedor estava revoltado com aquela aposta. Mas, se ele cobrava quando vencia, tinha de cumprir quando perdeu. Os amigos improvisaram uma bandinha, que tocava uma música que, segundo eles, era para a posta ficar completa.

-Agora você tem que dançar a música.

-Isso não tava na aposta!

-Estava sim!Agora dance!

Quase chorando, ele dançou, para delírio do povão. Depois que acabou a música, a galera pediu bis, mas não foi atendida.

- Vão cuidar de suas vidas! Já cumpri a aposta, agora chega! Essa vergonha não passo mais!

Depois daquilo, tudo voltou ao normal no bairro. Exceto na casa de Alípio, onde a foto que o filho tirou decorava a mesa de telefone da sala. E, a cada vez que ele se lembrava daquilo, a vontade de bater nele era grande. Mas segurava. Afinal, nada do que fizesse agora adiantaria, nem mesmo rasgar a fotografia. O que estava feito ninguém iria esquecer.

Quanto à aposta, pergunte a quem viu. Eles saberão te responder melhor que eu. afinal, eles foram testemunhas. Eu só ouvi falar.