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quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O testamento - Parte I

‘Seu’ Albino era uma pessoa alegre e bondosa. Casado com dona Matilde e pai de cinco filhos, todos crescidos, tinha um coração tão grande quanto a soma que havia em sua conta bancária. Por isso, os filhos aguardavam com ansiedade a leitura do testamento. Afinal, além da generosa conta, o pai havia deixado várias posses, como uma fazenda no interior do Rio; um apartamento na Urca e outro, em Icaraí; uma empresa no Centro com filiais em São Gonçalo e nas Zonas Norte e Oeste; uma casa em Cabo Frio; além de participações em diversas empresas. Ou seja, uma senhora herança.

Albininho, o mais velho, era quem queria receber a maior parcela do bolo. Por isso, enquanto o pai era vivo, era ele quem mais motivava o pai a fazer o testamento. O pai vivia desconfiado. Acreditava que o filho fazia aquilo para matá-lo em seguida. Por isso ‘seu’ Albino havia relutado tanto. Mas foi o pai fazê-lo para sofrer um enfarto.

Não era só Albininho que crescia o olho nos bens. Alberto, o segundo filho, fazia coro com o mais velho, e também recebia a desconfiança do pai. Este mais que aquele, pois estava iniciado nas atividades da empresa. Era o único dos cinco que se interessava pelos negócios da família. Era vice-presidente da empresa, sabia da cotação das participações do pai... Parecia que ele era quem mais se interessava.

Enquanto isso, as trigêmeas, ainda em idade escolar, estavam alheias ao caso. Aline, Alice e Albina estavam mais preocupadas com o pai que se divertia com elas do que com herança a que tinham direito. Para elas, pouco importava se o pai tinha deixado alguma coisa. Queriam que ele estivesse ali. Estavam inconsoláveis, por isso seus interesses eram defendidos pela mãe.

Alheia à confusão criada pelos filhos, dona Matilde lamentava a falta que o companheiro que fazia. Não pela presença dele como pessoa, mas pelo fato de assinar os cheques com que pagava as contas dela. Como ambos eram avessos a cartão de crédito, ele mais que ela, por saber que ela gastaria mais se pudesse, haviam acordado de fazer as compras, necessárias ou não, em cheque no nome dele. Com o dinheiro e o suor do marido, tornou-se uma notável celebridade da alta sociedade carioca.

Estavam todos na antesala do escritório do doutor Almeida, advogado da família. Ele era o único que já conhecia o teor do documento, e não podia, naquele momento, dar mostras disso. Por isso, a seriedade no rosto daquele senhor tão alegre e bonachão que todos ali já conheciam espantou principalmente a Alberto e Albininho.

- Oi, tio Almeida! – disseram as trigêmeas em uníssono ao vê-lo entrar na sala.

- Olá, meninas. Olá pra vocês também.

- Olá – respondeu secamente a mulher, que não simpatizava com o advogado. Afinal, a ideia das compras no cheque partira dele, que era o verdadeiro confidente do falecido.

- Podemos saber o porquê dessa seriedade?

- Porque a situação assim o exige, Alberto. Sei que todos estão acostumados com minhas brincadeiras e meu sorriso sincero no rosto. Mas também tenho sentimentos tristes, que afloraram quando soube do ocorrido. Éramos muito amigos.

- Quanta melosidade!

- Pare de criancices, Albininho! Pode iniciar a leitura do testamento, seu Almeida?

- Daqui a pouco. Minha assistente foi buscá-lo.

Enquanto a assistente não vinha, Almeida tentou conversar com eles para saber do estado em que eles estavam com a morte do pai e esposo. Enquanto a conversa rolava, Adélia, a assistente, chegou com o papel tão esperado, para comemoração geral.

- Vamos dar início à leitura do testamento. Antes... Adélia, aquela pessoa chegou?

- Que pessoa? – perguntou Matilde

- Vocês saberão quando ela chegar. Ela chegou?

- Ainda não, senhor. Quando ela chegar, eu a anunciarei.

- Obrigado, Adélia.

- Agora vai falar quem é essa pessoa ou não?

- Acalme-se, Matilde. Quando essa pessoa chegar, vocês saberão o porquê de todo esse sigilo.

- É alguma amante dele, não é? Fale logo, pois estou agoniada.

- Doutor, ela chegou. – interrompeu a assistente, para alívio de Almeida.

- Mande-a entrar.

De repente, todos se voltam para olhar a pessoa misteriosa. Quando entra na sala uma jovem de aproximadamente 20 anos.

- Boa tarde a todos.

- Boa tarde. Sente-se, por favor.

- Obrigada, doutor.

- Tio Almeida, quem é essa jovem?

- Essa jovem, Alice...

- Sou a Aline.

- Desculpe, Aline. Essa jovem, segundo seu pai me disse, é sua irmã.

- Irmã? – os seis perguntaram em coro

- Sim.

- Mas isso não é possível! Papai mal saía da empresa em horário de trabalho para almoçar, e dificilmente viajava, por qualquer motivo que fosse.

- Pois é, Alberto...quase! – disse a mãe.

- Então a senhora não está surpresa? Porque nós...

- Eu pensava o mesmo que vocês. Mas me lembro que seu pai, quando vocês eram mais novos, e as meninas ainda não haviam nascido, falou comigo do desejo de ter uma filha mulher.

- Mas nós nascemos, e ele sempre foi legal com a gente.

- Pois é, meninas, mas antes de vocês, parece que apareceu um outro alguem que satisfez o desejo dele antes de mim.

- Agora entendo porque papai sempre foi desconfiado comigo e com o mano.

- Agora que quem faltava chegou, e vocês já se conhecem, posso iniciar a leitura?

- Já deveria! Depois desse baque...

- Alberto!

- Vai me dizer que a senhora vai aceitar esse fato calada? Ele te traiu, mamãe! E soube esconder isso muito bem!

- Eu vou. E quem você pensa que é, Alberto Moreira Pontes, para falar comigo, que sou sua mãe dessa maneira?

- Pessoal, se o problema sou eu, posso sair daqui, não tem problema.

- Não! – intrometeu-se o advogado.

- Por que ela não pode? Há algo que papai contou a ela que não contou a nós?

- Acabo de ver no testamento que sim, há!

- Agora, só saberemos no momento em que você calar essa sua matraca e deixar doutor
Almeida ler a porra do testamento! Tomara que papai tenha descoberto sua falsidade a tempo e tenha te deserdado!

Alberto ensaiou um ataque a Albininho, mas foi contido pela mãe, até que um segurança do advogado entrou no escritório para acalmar os ânimos do segundo filho. Depois de 20 minutos, nos quais Matilde e as trigêmeas encheram a suposta filha de perguntas, o advogado reuniu todos em torno de sua mesa para fazer a leitura.

- “ Todos sabem que é com imensa dor que eu faço este testamento, o qual confio ao meu amigo, o doutor Roberto Aragão de Sousa e Almeida. Testamento esse que faço obrigado, graças a insistentes investidas interesseiras de meu filho Alberto, o qual sempre mostrou ter grandes interesses em meus bens materiais.”

- E isso é verdade!

- Cale-se!

- Continuando, “ao contrário de meu primogênito, que carrega em meu nome a esperança de honrar o nome que lhe dei, Albino Moreira Filho. E de minhas filhas, Alice Moreira Pontes, Aline Moreira Pontes, Albina Moreira Pontes e minha filha mais velha, Alma Magna Moreira Ribeiro.”

- Peraí. Bino já sabia da existência dela antes de fazer o testamento, Almeida?

- Sim, sabia.

Nessa hora, Matilde começou a chorar. Ao ver a cena, Alma se comoveu, ofereceu um lenço para a senhora e pediu desculpas pela aparição repentina. A senhora agradeceu, disse que a jovem não tinha que pedir desculpas por nascer fora do casamento, provocando ciúmes nas meninas.

- Doutor Almeida, poderia cortar para a parte em que eu entro?

- Como assim para a parte em que ela entra? – quis saber Alberto.

- Tudo bem, seja feita sua vontade.

- Que história é essa, doutor Almeida? Como ela sabia que estava... – nesse momento, a mãe pôs-lhe uma mordaça, com ajuda do segurança.

- Obrigado, Matilde.

- Disponha.

- Como Alberto dizia, ela está no testamento, mas numa singela indicação. Trouxe a carta, menina Alma?

- Sim. Ele havia me falado dela, pediu que eu guardasse bem, e que não lesse antes da hora certa. Então é essa a hora certa?

- Segundo o testamento, sim. Aqui, ele diz: “Deixei com minha filha bastarda uma carta, na qual estão as minhas reais sensações a respeito do assunto. Em inúmeras conversas com o doutor Almeida, deixei antecipado alguns itens, que gostaria que ele lhes dissesse antes da leitura da carta.” Conforme sua vontade, fá-lo-ei.

(Continua...)

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