Pesquisar este blog

domingo, 16 de agosto de 2009

O Testamento - Parte II

(Continuando...)

- Não é melhor ler a carta primeiro? Assim o senhor saberá o que tem nela que ele não te falou.

- Ele já havia me alertado disso, Alma.

- Disso o quê, doutor?

- De que você ficaria com vergonha, louca para ir para casa, sem interferir no andamento do processo. Por isso, tenho de falar algumas coisas. Umas não são de se espantar. Outras...

- Outras o quê, tio Almeida?

- Você já saberá. Antes vamos dar uma pausa, para ordenarmos os pensamentos.

Ele saiu para o banheiro, onde respirou fundo, como quem não se sentia preparado para o que tinha de fazer. Depois de 2 minutos, ele voltou, sentou sobre a mesa e respirou fundo antes de falar.

- O que tenho a lhes dizer é difícil.

- Então diga logo. Já perdemos muito tempo aqui, doutor Almeida.

- Pois bem. Nas minhas longas conversas com Albino, ele desabafava comigo, principalmente nos últimos dias, da vida que ele estava levando. Na empresa, as coisas não iam bem, as ações não rendiam, a mulher gastava muito... Os únicos confortos que sentia eram as consultas que tinham comigo, as visitas que fazia à menina Alma e as horas em que estava com a família, principalmente com as trigêmeas. Dizia que adorava vê-las nas competições esportivas, saber que elas haviam tirado boas notas... e lamentava não ter tido condições de proporcionar o mesmo para a menina Alma.

- Mas ele nunca deixou faltar nada para mim.

- Eu sei, menina Alma. Ele pedia que eu o fizesse, para não levantar suspeitas. De
desconfianças já bastava a vontade de Alberto de que ele fizesse um testamento. Ele se perguntava onde tinha errado com Alberto, que a cada dia mais queria que ele deixasse a empresa para que o filho a assumisse.

- Mas não era verdade. Eu nunca pensei nisso.

- Conta outra, Alberto! Você não fazia outra coisa a não ser querer o papai fora de lá.

- Para que ele descansasse! Ele já havia feito muito e...

- Posso seguir?

- Pode, doutor Almeida.

- Obrigado, Bininho.

- Albino, por favor. Albino. Somente papai me chamava assim.

- E você sempre detestou. Principalmente quando ele o fazia dentro da empresa. Você não tinha o mesmo interesse aberto de seu irmão, mas não gostava do afeto que seu pai lhe dava na empresa. Mas ele não te execrava, como o vi fazer muitas vezes sobre seu irmão.

Nesse momento Alberto abaixou a cabeça, tentando esconder as lágrimas que caíam de seu rosto. Começava a se arrepender do modo com o qual agira com o pai vivo.

- Ele sempre acreditou em Alberto, mesmo quando sentia esse menosprezo afetivo dele. Se preocupava em brincar com ele na empresa, pois se quando brincava com Albino o mesmo não gostava, que diria se brincasse com Alberto.

- Pare com isso! – pediu Alberto, cheio de lágrimas.

- Acho que Alberto e Albino já ouviram o que tinham de ouvir. Agora, vamos Matilde.

- Ele falou mal de mim?

- Não. Apenas reclamava do seu excesso financeiro. Reclamava de seus gastos desnecessários, de suas compras supérfluas... Mas ressaltava o carinho dado, e pedia desculpas por esconder a filha bastarda. Mas pediu que, independente da distribuição testamentária, se aproxime dela, e as meninas também, pois vocês tem muito em comum.

- Falava algo das trigêmeas?

- Nada além do que eu já disse.

- E da filha extra?

- Ele me pediu para contar o que aconteceu, como ela surgiu. Quando Albino e Alberto já estavam nascidos, com 5 e 3 anos, ele estavam começando a desanimar do casamento.

- Por causa da filha mulher que ele queria?

- Sim. Decidiu aproveitar uma reunião com uma empresa estrangeira, onde nada deu certo. E na época ele tinha com secretária na empresa em que trabalhava, antes de construir a própria, com quem ele tinha um caso. Ela foi consolá-lo, ele gostou, começaram a se amar na empresa...

- E daí eu vim à luz?

- Isso foi o começo, segundo ele me disse. Passadas duas semanas, ele viu que a secretária não foi trabalhar, com seguidos enjôos. No dia seguinte a esses, ele foi pedir as contas do emprego. Já estava grávida, mas não queria contar a Albino. Ele só foi saber da filha depois que ela, a mulher, estava para parir. Quando nasceu, ele prestou toda a ajuda necessária à menina e à mãe. Desde então, ele sempre procurava estar presente na vida de Alma.

- Quando é seu aniversário, Alma?

- 24 de março.

- Como suspeitava. Foi nesse dia que ele deixou de ser ranzinza como era, mas eu tentava saber e não sabia o porquê dele estar tão feliz desde então.

- Como assim?

- Foi nessa época que eu engravidei das meninas. Ele havia me falado de como seria bom ter uma menina na nossa vida. E vieram logo três. Algo mais a dizer, Almeida?

- Não, nada mais. Agora, vamos à carta.

Alma passou a carta, que Almeida leu com atenção, silenciosamente, enquanto Matilde, Alma e as trigêmeas conversavam pacificamente, sob olhares desconfiados dos filhos homens. Quando acabou de ler, Almeida pediu a palavra.

- Realmente, a maior parte do que eu disse está aqui na carta.

- Eu não entendo. E quanto à divisão dos bens? Como ficamos?

- Para seu alívio, Albino, esta é uma parte que me espantou ao saber do resultado. Mas, antes dela, tem outra muito interessante Diz ele, para Alma: “Sei que você se dará bem no meio familiar que tanto me agradou em vida. Como você também muito me agradou em vida, eu a recomendo a este seio.” Para Matilde e as meninas: “Vocês sempre me amaram do jeito que fui. Quero que, a partir desse momento, aceitem Alma de bom grado em nosso seio. Sei que fará muito bem tanto a ela quanto a vocês. Afinal, você têm muito papo para botar em dia.”

- Esse blábláblá está bonito e comovente, mas... quanto à divisão?

- Vamos chegar nela agora: “Tendo feitas estas recomendações, distribuo meus bens da seguinte forma: para Albino, deixo minhas ações financeiras e, para Alberto, deixo o controle de minhas empresas. Eles a merecem. O meio financeiro é muito sujo de se lidar. Deixo-lhes pois sei que trarão resultados. Afinal, já estão sujos por esse meio há algum tempo.”

Nesse momento Alberto dá um grito de felicidade, sendo contido logo pelo segurança.

- Continuando, “Deixo para minha esposa Matilde, o controle financeiro da casa e o numerário que eu possuía em minhas contas está em uma conta que abri em seu nome.” Parabéns, Matilde.

- Obrigado, Almeida, mas... prossiga!

- “Para minhas trigêmeas, deixo de herança: para a aventureira Alice, minha fazenda no interior; para a praieira Aline, minha casa de Cabo Frio; e para a simpática Albina, meu apartamento em Icaraí.”

- E para Alma, não ficou nada? – perguntou Albina

- “Para minha filha Alma, a qual não poderia deixar de fora, além do seio familiar, deixo também meu apartamento na Urca. Além disso, deixo uma parte do meu numerário financeiro, no controle de Matilde, para cada uma das quatro filhas, a título de autonomia financeira. Espero que continuem sendo uma família unida, agora com mais uma integrante. Beijos do seu querido Albino.” E acabou.

- Peraí, acabou assim, sem mais nem menos?

- Sim, acabou.

- Mas ele não te deixou nada? Logo você, que era tão amigo dele?

- Alberto, ao contrário do que você pode pensar, não fui amigo do seu pai pelo dinheiro. Fui porque eu sempre admirei a pessoa dele e ele à minha. Nossa amizade não tinha interesse profissional ou financeiro.

- Mas você nunca pensou nisso?

- Se eu pensasse do mesmo modo que você, vocês não teriam nada na verdade.

- Por quê?

- Seu pai queria deixar todos os bens para mim e para o doutor Almeida. A mulher e os filhos ficariam sem nada. – respondeu Alma – Esperamos que você pense no próximo como seu pai fazia.

Naquela hora os filhos se reuniram e decidiram dar uma quantia ao doutor Almeida, que ele prontamente recusou. Para ele, importava mais o amigo que perdeu do que benefícios financeiros. Mas, depois de muita insistência, não recusou o presente dado. Quanto à família, não mudou muita coisa. Apenas a entrada de Alma Magna em seu seio familiar, como o pai queria. E a volta à vida normal.

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

O testamento - Parte I

‘Seu’ Albino era uma pessoa alegre e bondosa. Casado com dona Matilde e pai de cinco filhos, todos crescidos, tinha um coração tão grande quanto a soma que havia em sua conta bancária. Por isso, os filhos aguardavam com ansiedade a leitura do testamento. Afinal, além da generosa conta, o pai havia deixado várias posses, como uma fazenda no interior do Rio; um apartamento na Urca e outro, em Icaraí; uma empresa no Centro com filiais em São Gonçalo e nas Zonas Norte e Oeste; uma casa em Cabo Frio; além de participações em diversas empresas. Ou seja, uma senhora herança.

Albininho, o mais velho, era quem queria receber a maior parcela do bolo. Por isso, enquanto o pai era vivo, era ele quem mais motivava o pai a fazer o testamento. O pai vivia desconfiado. Acreditava que o filho fazia aquilo para matá-lo em seguida. Por isso ‘seu’ Albino havia relutado tanto. Mas foi o pai fazê-lo para sofrer um enfarto.

Não era só Albininho que crescia o olho nos bens. Alberto, o segundo filho, fazia coro com o mais velho, e também recebia a desconfiança do pai. Este mais que aquele, pois estava iniciado nas atividades da empresa. Era o único dos cinco que se interessava pelos negócios da família. Era vice-presidente da empresa, sabia da cotação das participações do pai... Parecia que ele era quem mais se interessava.

Enquanto isso, as trigêmeas, ainda em idade escolar, estavam alheias ao caso. Aline, Alice e Albina estavam mais preocupadas com o pai que se divertia com elas do que com herança a que tinham direito. Para elas, pouco importava se o pai tinha deixado alguma coisa. Queriam que ele estivesse ali. Estavam inconsoláveis, por isso seus interesses eram defendidos pela mãe.

Alheia à confusão criada pelos filhos, dona Matilde lamentava a falta que o companheiro que fazia. Não pela presença dele como pessoa, mas pelo fato de assinar os cheques com que pagava as contas dela. Como ambos eram avessos a cartão de crédito, ele mais que ela, por saber que ela gastaria mais se pudesse, haviam acordado de fazer as compras, necessárias ou não, em cheque no nome dele. Com o dinheiro e o suor do marido, tornou-se uma notável celebridade da alta sociedade carioca.

Estavam todos na antesala do escritório do doutor Almeida, advogado da família. Ele era o único que já conhecia o teor do documento, e não podia, naquele momento, dar mostras disso. Por isso, a seriedade no rosto daquele senhor tão alegre e bonachão que todos ali já conheciam espantou principalmente a Alberto e Albininho.

- Oi, tio Almeida! – disseram as trigêmeas em uníssono ao vê-lo entrar na sala.

- Olá, meninas. Olá pra vocês também.

- Olá – respondeu secamente a mulher, que não simpatizava com o advogado. Afinal, a ideia das compras no cheque partira dele, que era o verdadeiro confidente do falecido.

- Podemos saber o porquê dessa seriedade?

- Porque a situação assim o exige, Alberto. Sei que todos estão acostumados com minhas brincadeiras e meu sorriso sincero no rosto. Mas também tenho sentimentos tristes, que afloraram quando soube do ocorrido. Éramos muito amigos.

- Quanta melosidade!

- Pare de criancices, Albininho! Pode iniciar a leitura do testamento, seu Almeida?

- Daqui a pouco. Minha assistente foi buscá-lo.

Enquanto a assistente não vinha, Almeida tentou conversar com eles para saber do estado em que eles estavam com a morte do pai e esposo. Enquanto a conversa rolava, Adélia, a assistente, chegou com o papel tão esperado, para comemoração geral.

- Vamos dar início à leitura do testamento. Antes... Adélia, aquela pessoa chegou?

- Que pessoa? – perguntou Matilde

- Vocês saberão quando ela chegar. Ela chegou?

- Ainda não, senhor. Quando ela chegar, eu a anunciarei.

- Obrigado, Adélia.

- Agora vai falar quem é essa pessoa ou não?

- Acalme-se, Matilde. Quando essa pessoa chegar, vocês saberão o porquê de todo esse sigilo.

- É alguma amante dele, não é? Fale logo, pois estou agoniada.

- Doutor, ela chegou. – interrompeu a assistente, para alívio de Almeida.

- Mande-a entrar.

De repente, todos se voltam para olhar a pessoa misteriosa. Quando entra na sala uma jovem de aproximadamente 20 anos.

- Boa tarde a todos.

- Boa tarde. Sente-se, por favor.

- Obrigada, doutor.

- Tio Almeida, quem é essa jovem?

- Essa jovem, Alice...

- Sou a Aline.

- Desculpe, Aline. Essa jovem, segundo seu pai me disse, é sua irmã.

- Irmã? – os seis perguntaram em coro

- Sim.

- Mas isso não é possível! Papai mal saía da empresa em horário de trabalho para almoçar, e dificilmente viajava, por qualquer motivo que fosse.

- Pois é, Alberto...quase! – disse a mãe.

- Então a senhora não está surpresa? Porque nós...

- Eu pensava o mesmo que vocês. Mas me lembro que seu pai, quando vocês eram mais novos, e as meninas ainda não haviam nascido, falou comigo do desejo de ter uma filha mulher.

- Mas nós nascemos, e ele sempre foi legal com a gente.

- Pois é, meninas, mas antes de vocês, parece que apareceu um outro alguem que satisfez o desejo dele antes de mim.

- Agora entendo porque papai sempre foi desconfiado comigo e com o mano.

- Agora que quem faltava chegou, e vocês já se conhecem, posso iniciar a leitura?

- Já deveria! Depois desse baque...

- Alberto!

- Vai me dizer que a senhora vai aceitar esse fato calada? Ele te traiu, mamãe! E soube esconder isso muito bem!

- Eu vou. E quem você pensa que é, Alberto Moreira Pontes, para falar comigo, que sou sua mãe dessa maneira?

- Pessoal, se o problema sou eu, posso sair daqui, não tem problema.

- Não! – intrometeu-se o advogado.

- Por que ela não pode? Há algo que papai contou a ela que não contou a nós?

- Acabo de ver no testamento que sim, há!

- Agora, só saberemos no momento em que você calar essa sua matraca e deixar doutor
Almeida ler a porra do testamento! Tomara que papai tenha descoberto sua falsidade a tempo e tenha te deserdado!

Alberto ensaiou um ataque a Albininho, mas foi contido pela mãe, até que um segurança do advogado entrou no escritório para acalmar os ânimos do segundo filho. Depois de 20 minutos, nos quais Matilde e as trigêmeas encheram a suposta filha de perguntas, o advogado reuniu todos em torno de sua mesa para fazer a leitura.

- “ Todos sabem que é com imensa dor que eu faço este testamento, o qual confio ao meu amigo, o doutor Roberto Aragão de Sousa e Almeida. Testamento esse que faço obrigado, graças a insistentes investidas interesseiras de meu filho Alberto, o qual sempre mostrou ter grandes interesses em meus bens materiais.”

- E isso é verdade!

- Cale-se!

- Continuando, “ao contrário de meu primogênito, que carrega em meu nome a esperança de honrar o nome que lhe dei, Albino Moreira Filho. E de minhas filhas, Alice Moreira Pontes, Aline Moreira Pontes, Albina Moreira Pontes e minha filha mais velha, Alma Magna Moreira Ribeiro.”

- Peraí. Bino já sabia da existência dela antes de fazer o testamento, Almeida?

- Sim, sabia.

Nessa hora, Matilde começou a chorar. Ao ver a cena, Alma se comoveu, ofereceu um lenço para a senhora e pediu desculpas pela aparição repentina. A senhora agradeceu, disse que a jovem não tinha que pedir desculpas por nascer fora do casamento, provocando ciúmes nas meninas.

- Doutor Almeida, poderia cortar para a parte em que eu entro?

- Como assim para a parte em que ela entra? – quis saber Alberto.

- Tudo bem, seja feita sua vontade.

- Que história é essa, doutor Almeida? Como ela sabia que estava... – nesse momento, a mãe pôs-lhe uma mordaça, com ajuda do segurança.

- Obrigado, Matilde.

- Disponha.

- Como Alberto dizia, ela está no testamento, mas numa singela indicação. Trouxe a carta, menina Alma?

- Sim. Ele havia me falado dela, pediu que eu guardasse bem, e que não lesse antes da hora certa. Então é essa a hora certa?

- Segundo o testamento, sim. Aqui, ele diz: “Deixei com minha filha bastarda uma carta, na qual estão as minhas reais sensações a respeito do assunto. Em inúmeras conversas com o doutor Almeida, deixei antecipado alguns itens, que gostaria que ele lhes dissesse antes da leitura da carta.” Conforme sua vontade, fá-lo-ei.

(Continua...)