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domingo, 13 de setembro de 2009

O dia em que o ladrão de galinhas assassinou alguém - Parte 3 de 3

Continuando...

Quando eu e Alencar íamos saindo, ele me perguntou o que o Jurubeba tinha me falado. Ora bolas, se ele prendeu o pobre coitado, deveria ter tomado o depoimento dele na hora da prisão, e saber o que ele disse. Mas não, eu tinha que mastigar e entregar o pobre coitado pra ele. Senti um clima de conspiração no ar.

- Então, Bravo, vai me dizer o que ele te disse?

- Ele não me disse nada além do que está no depoimento tomado. – nessa hora vi o Brandão gelar e ficar estático. Percebi pela sua reação que ele não tinha, como eu previa, tomado o depoimento do Jurubeba na hora da prisão. Gostei mais ainda, pois eu a-do-ra-va jogar na cara dele certos procedimentos básicos da delegacia que ele sempre esquecia de aplicar, dando uma lição de moral – Você tomou o depoimento dele, certo?

- Saia daqui agora!

Saí, mas fiquei de butuca arregalada na conversa que eles estavam tendo naquela sala. Pra ajudar, escondi uma escuta sob a mesa, o que poderia usar de prova em caso de confissão do crime. Alencar tentava puxar conversa comigo, mas eu não queria papo, e ele percebeu isso. Saiu de perto e foi olhar o movimento na entrada da delegacia.

Enquanto a conversa rolava na sala, Alencar voltava correndo pra me avisar que haviam matado o Jurubeba. Eu não acreditei, até que ouvi a voz de Brandão confessando tudo. Corri para a carceragem, perguntei ao Joca o que tinha acontecido. Ao confirmar a morte do mendigo, quis saber maiores detalhes.

- O Almeida tava trazendo ele pra cá, quando Brandão mandou ele fazer outra coisa, que ele ia levar o Jurubeba pra cela. O que aconteceu depois não posso falar não.

- Abre o bico, Joca! Caso contrário, vou te convencer a cantar tudinho!

Como ele já sabia da minha fama, decidiu concordar.

- O Brandão mandou eu ficar de bico calado, e levou o Jurubeba pra cela. Depois de dois minutos, não sei o que ele fez lá dentro, mas ele me disse que aquilo tinha que ficar por ali. Quando ele saiu daqui, corri até a cela e encontrei ele babando e com a cara roxa, sem sinal de vida. Isso é tudo o que eu sei.

- E ele disse alguma coisa além disso?

- O Brandão ou o Jurubeba?

- A biba. – todos sabiam do modo que eu tratava Brandão

- Me perguntou onde você tava.

- Tá bom. Valeu pela cooperação.

Voltei pra sala bufando, mas os desgraçados já tinham saído. Dei um berro procurando Alencar, mas como não tive resposta, fui no banheiro. Lá, encontrei Alencar agonizando.

- Chefe, eles fugiram.

- Quem fez isso com você, Alencar?

- Fo..ram e...e...e...les.

Nessa hora ele apagou. Não acreditei no que estava acontecendo. Na mesma noite um preso e um policial mortos dentro da delegacia. Na cabeça só vinha a frase dita pelo janota, ‘eu vou te fuder’, e a minha raiva só aumentava. Brandão tava metido até aquele rabo desgraçado dele na história. Pensei onde eles poderiam estar. Na casa de Brandão seria muito óbvio. O janota, não deixou endereço na delegacia. Onde eles poderiam estar. Fui até a porta e quem eu encontro por lá: o janota dando entrevista. Quando me viu, apontou na minha direção e me chamou de corrupto. Eu educadamente pedi licença aos repórteres e lembrei a ele que ainda não tinha tomado seu depoimento. Puxei-o pela gola do terno que vestia, ele tentou se esquivar, e não me segurei. Acertei um balaço na cabeça dele, diante de toda a imprensa. Aquela merda que eu fiz, me fudeu durante três anos, os da minha suspensão, mas me senti regozijado. Quem me comunicou isso no local foi doutor Mathias, o delegado, que Brandão fizera questão de chamar. O desgraçado ainda pôs na minha conta a morte do Jurubeba e do Alencar, duas pessoas a quem eu estimava na delegacia. Mas uma dia eu teria que dar o troco.

No primeiro dia após a minha saída, voltei à delegacia. A equipe tinha se renovado, doutor Mathias tinha virado deputado, os rabos presos de Brandão foram pra outra delegacia... só eu havia ficado. Eu e o Brandão, pra minha felicidade. O novo delegado, doutor Ramalho, havia reaberto alguns casos. Sabia da minha fama e contava comigo para isso. Me chamou na sala dele pra conversar.

- Pois não, em que posso ajudar?

- Vou reabrir os inquéritos da morte da grã-fina, do janota, da de Jurubeba e de Alencar, tá sabendo?

- Tô, já me falaram. Mas não entendi o porquê...

- Calma aí. Eu tô falando. Conheço você e sei do seu trabalho, e sei que você não faria uma merda dessa a toa. Eu quero saber o que aconteceu na morte do janota.

Contei a ele tudo o que havia acontecido naquele dia. A acusação injusta do Jurubeba, os crimes de Brandão e do janota, o meu acesso de fúria. Ele me perguntou se eu tinha provas do que afirmava, mas a única que eu tinha era a própria confissão de Brandão, que estava gravada na sala do delegado e eu não sabia que fim havia levado.

- Ok. Como águas passadas não movem moinhos, e você já cumpriu sua pena, não vai adiantar pra gente procurar chifre em cabeça de cavalo. Como já tô com o Brandão pela bola sete, vocês vão cobrir juntos uma incursão numa favela aqui perto. Mas não queira ser um cara valente e ficar na linha de frente.

- Pode deixar doutor...?

- Ramalho. Ezequiel Ramalho.

- ...doutor Ramalho. Chamo o Brandão?

- Não, peça pra chamar.

Saí da sala, com esperança na cabeça. O morro que a gente ia subir tava em guerra a uma semana, o que me deixou preocupado. Mas quando me lembrava da chance de ver o Brandão cair, eu ficava tranquilinho, só esperando a hora chegar.

Eu já estava na viatura quando o Brandão chegou. Ao ver minha cara, ele se assustou, e me assustou também. Aquele carinha que se embelezava todo estava chupado. Tinha contraído aids, estava perto do fim. Fomos ao morro sem trocar uma palavra, e entramos direto no tiroteio. Seguindo o conselho do delegado, joguei ele na minha frente e ele recebeu um tirambaço na cabeça. Me deu pena ver ele caído, mas não o socorri. Pensei no que teria acontecido se eu o tivesse levado pra delegacia. Pra completar, o tiroteio acabou no dia seguinte, pois tinhamos matado o chefão do morro.

Ao chegar na delegacia, o delegado me chamou em sua sala.

- Pois não?

- Fez o serviço?

- Fiz. Não sabe o arrependimento que me deu.

Não esquenta, não. Era só isso que eu queria saber. Agora vai curtir suas férias merecidas.

Já se passou muito tempo de quando ocorreu esse caso. Mas me lembrou pra sempre, pois, por causa dele, perdi dois grandes amigos dos meus tempos de policial. Ao menos ali começava uma nova amizade, apesar dos arrependimentos.

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