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domingo, 13 de setembro de 2009

O dia em que o ladrão de galinhas assassinou alguém - Parte 1 de 3

Alguns casos marcaram a minha vida de policial. Alguns são inesquecíveis, como esse caso que agora lhes conto. Era difícil haver algum grande movimento na delegacia onde eu era lotado, mas naquele dia, a delegacia estava em polvorosa. Ninguém sabia me informar o que tinha acontecido, a não ser o Brandão, que estava de plantão por lá.

- Lembra do Jurubeba?

- Aquele ladrão de galinhas que rouba só pra poder dormir aqui? Que que tem ele?

- Pois é... Ele foi acusado de assassinar uma janota por causa de dezão.

- Você tá de brincadeira comigo, só pode! O Jurubeba não tem bala na agulha pra tanto! Tampouco culhões pra isso!

- Pois é, eu sei. Mas vai dizer isso pra ele.

- Ele tá em qual cela?

- Na 32, com o Manduca, o Pé de Pano e o Zé Miguel.

- O quê? Você ficou maluco? O Jurubeba tem uma rixa antiga com os três por causa de mulher.

- Ih, é mesmo, me esqueci. Mas isso agora não é responsabilidade minha, pois a minha hora já passou há muito. Segura o pepino, querido.

- Seu estúpido! Você me paga!

- Tcha-au.

E saiu sem se preocupar com a merda que tinha feito, dando adeusinho de miss daquele jeitinho viado dele. O pior é que ele sabia dessa rixa, pois foi na primeira vez que pegamos o Jurubeba, antes dele virar um mendigo ladrão de galinhas. Mas esse caso fica pra outro dia.

Chegando na cela, vi que o Jurubeba estava acuado num canto, pronto pra ser morto por Zé Miguel, bandido mais perigoso que tinha na delegacia. Cheguei logo mostrando minha autoridade.

- Que porra é essa que tá acontecendo aqui?

- Não se mete que o assunto aqui é de bandido pra bandido. Milico tem mais é que ficar de fora.

- Num tô te perguntando porra nenhuma, Zé Miguel. E larga o Jurubeba agora, senão...

- Senão o quê? Vai me prender, seu milico de merda? Eu já tô preso, seu cuzão. Que que você...

Ele não chegou a terminar a frase porque dei uma porrada bem dada naquela cara de nordestino desgraçado. Conheci muito nordestino gente boa, mas os Zés Miguéis da vida me fizeram generalizar o meu preconceito.

- Isso é abuso de otoridade, seu milico de merda!

- Vá se fuder, seu nordestino filho-da-puta! E é autoridade, seu paraíba burro! Cala sua boca, senão tem mais! – virando-me pra Jurubeba – Você vem comigo. Quero saber dessa história que me falaram. Você, um tremendo ladrão de galinhas, cagão pra cacete, conseguiu matar alguém? Não acredito.

- Pode querditá, seu Bravo. É a mai pura vredade.

- Alencar, leva ele pra minha sala. Quero tirar essa história a limpo.

Os outros dois começaram a rir, por causa do que fiz ao Zé Miguel. Ele queria sair no tapa com os dois, mas o Alencar deu uma cacetada em cada um e mandou eles caçarem cada um seu rumo. Jurubeba foi comigo pra salinha de interrogatório.

- Senta aí, Jurubeba. E começa a cantar que porra foi essa que você fez. Ou melhor, diz que fez.

- Mai fui eu memo, dotô. O sinhô num querdita na minha palavra?

- Jurubeba, olha bem pra minha cara.

- Tô oiano.

- Cê tá vendo escrito em algum lugar na minha cara que eu, Juca Bravo Abelhudo Brasileiro, policial experiente, que te conheço faz muito tempo e sei que você só rouba galinha pra poder dormir aqui, vou acreditar na historinha que você tá me contando? Te conheço a ponto de saber que você é um bandidinho muito do fulêra.

- Mai fui eu memo, dotô. Querdita neu, num tô mintino. – de repente, vi ele me mirar com aqueles olhos grandes de interiorano (acho ridículo dizer caipira se a pessoa vem do interior) cheios de lágrimas, pronto pra chorar.

- Purquê qui u sinhô num querdita no qui eu tô falano?

- Porque eu sei que você é muito ingênuo pra cometer esse tipo de crime. Tenho muito tempo de polícia pra saber que você seria incapaz de matar alguém. Agora mesmo, na cela, quando fui te buscar, você tava acuado com medo do Zé Miguel. – eu já estava com um certo tom paternalista para com ele. Ele era um pobre coitado, que perdeu-se da família na cidade grande e tinha virado mendigo. Mais um dos muitos interioranos da época que migravam pra cidade do Rio de Janeiro, tornando-se moradores de rua ou se estabelecendo nos morros e favelas. – Beba esse copo d’água e se acalme.

Nesse momento, deixei-o na sala, com o Alencar na porta. Mas não era necessário. Dos quatro ‘habitantes’ daquela delegacia, ele era o único que eu sabia que não fugiria, mesmo que se nós facilitássemos (nossa, nunca mais consigo conjugar assim de novo!) muito para isso. Fui para a sala de provas. Encontrei o Andrei (Ih!Rimei!) e pedi-lhe o objeto do crime e as demais provas. Quando vi que era uma faca cega, com as digitais de Jurubeba, perguntei quem foi ao local do crime.

- Foram o Maciel e o Jacir. Eles que me trouxeram as provas.

- Os rabos presos da delegacia? Os bofes do Brandão?

- Isso mesmo.

- Por que não foram o Noronha e o Calisto?

- O viadinho do Brandão preferiu deixar os dois na ronda. E mandou os bofes deles pra investigar o crime.

Um calor subiu pela minha cabeça na hora, mas deixei pra lá e voltei pra sala do interrogatório. A minha surpresa é que encontrei o Alencar batendo boca na porta com um janota famoso.

- Que é que tá acontecendo aqui?

- Você é o delegado dessa merda?

- Olha lá como você fala comigo, seu janota desgraçado! Respeito é bom e eu gosto! O que é que você quer aqui? Alencar, deixa comigo.

- Você é ou não?

- Não sou, mas respondo por ele. Então, vai me dizer ou não?

- Só digo na presença do delegado.

- Ai, caralho!

- O quê?

- Nada da sua conta. Agora sai da minha frente que eu tenho um preso pra interrogar.

Continua...

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