Minha mãe era uma pessoa 'abençoada'. Primeiro, ela se casou com o traste do Zé Carlos. E quando pensou que, ao se livrar para sempre daquele encosto na sua vida, juntando escovas de dentes, trapos e otras cositas más, nasce meu irmão Joaquim Miguel. Minha pobre mãe fez questão de batizá-lo na Igreja Católica com nome de anjo, naquilo que se pode chamar de grande heresia cometida por ela. Nem tanto por culpa dela, mas pelo que o garoto viria a se tornar.
Quando meu irmão nasceu, tinha eu já meus 9 anos de idade. Nascido em maio de 68, tinha tudo pra se acertar na vida. Mamãe arrumou-lhe padrinhos ricos, enquanto eu ralava de engraxate no Centro de Niterói, pra buscar, quem sabe, um futuro pra mim. Logo, tinha tudo pra ser um vencedor. Ah, mamãe, como eu queria que estivesses aqui agora! Eu estabilizado, enquanto ele...
Ele desde pequeno foi um 'boa vida'. Mas isso não foi motivo para deixar de ser um capeta. Entendem agora o porquê de ser uma heresia? Nome de anjos, alma de capeta. O que mamãe e seu Marcos punham de bom em casa, o moleque destruía. No começo, eles até achavam engraçado, ah que bonitinho!, mas o tempo foi passando e ele perdendo a graça. Demoraram a perceber o monstro mimado que estava sendo criado naquele casebre. Por isso mesmo acordaram com os padrinhos para mandá-lo a um colégio interno. Só que os padrinhos dele estavam envolvidos com a oposição do regime e foram exilados. E no dia do embarque, o capeta fugiu e, quando corremos atrás dele, disse aos guardas que éramos comunistas, que devoravam criancinhas, e que queríamos comê-lo. Ou seja, meu debut numa delegacia foi graças aquele merdinha. E isso tudo com apenas 6 anos de idade.
Quando chegou aos dez, e eu aos vinte, sem conviver com aquela pecinha que fazia lembrar meu pai, diziam os vizinhos, quando eu ia visitar mamãe, que ele faltava pouco para virar um dos maiores bandidos da região. Achava aquilo um exagero. Sabia que ele era um capeta, mas não achava que chegaria a tanto. Quando vi ele metendo a mão na bolsa da mãe e desrespeitando ao pai dele é que me caiu a ficha. Dei uma prensa no moleque. Joguei-o contra a parede e o fiz por tudo de volta onde estava.
"Que porra é essa? Essa é a educação que seus padrinhos te deram?"
"Eles não tem nada a ver com isso não. Faço isso porque gosto, me sinto bem."
Ou seja, ele não se emendaria. Para ajudar, quando tinha eu 25, mamãe e seu Marcos voltaram pra Mangueira, tendo eu, desde então, pouca ou nenhuma notícia deles depois daquilo. Já trabalhava na Polícia Militar quando vi meu irmão, pela última vez. Teve uma troca de tiros entre a PM e a bandidagem que começava a se formar no morro. Pegaram seis, entre eles Quinzinho (como ele era conhecido naquele meio). Pedi ao soldado pra falar com ele, mas ele se recusou. O soldado deu-lhe uma porrada na boca do estômago e obrigou-o a falar. Mas, depois daquela cena, deixei pra lá. Afinal, ele nada queria falar comigo. Não seria eu que o obrigaria. Depois daquilo não tive mais como encarar minha mãe, nem seu Marcos.
Soube que ele pegou uma grande pena por associação ao crime e que ele pretende se regenerar. Falam-me que até entrou pra uma igreja evangélica, chegando a ser pastor. Que tenha boa sorte na sua empreitada e me deixe em paz, como sempre.
Amigo, quando voltarás a escrever? Saudade doss eus textos.
ResponderExcluir